As águas do Letes
Em minhas experiências de ouvir, já estou calejado de escutar o seguinte: “- Olha padre, faz doze anos que isso aconteceu, ela disse que m...

Em minhas experiências de ouvir, já estou calejado de escutar
o seguinte: “- Olha padre, faz doze anos
que isso aconteceu, ela disse que me perdoou (referência à esposa), mas todos
os dias toca no mesmo assunto. Eu já não aguento mais...” Foi esse tipo de
desabafo que me inspirou a escrever esse texto. Porque será que algumas pessoas
tem tanta dificuldade em perdoar?
Na mitologia grega o ato de lembrar era tão importante
quanto o de esquecer. Numa cultura anterior à escrita, ai daqueles que não
possuíssem boa memória! A memória era tão importante que foi cultuada como
divindade. Seu nome era Mnemósine.
Deitando-se com Zeus por nove dias e nove noites, Mnemósine
engravidou-se das nove Musas, as “palavras cantadas” que vinham em socorro dos
poetas nas horas necessárias. As palavras, portanto, eram filhas da memória e,
cada Musa, se encarregava de lembrar ao poeta (aedo) de um tipo de assunto.
Clio, por exemplo, fazia reavivar na memória dele os grandes feitos da
história. Erato lembrava-lhe a poesia lírica, daí por diante... Acreditava-se
que Mnemósine, possuía um belo lago subterrâneo. Quem dele bebesse lembraria,
pra sempre, de todos os acontecimentos da vida. Um sonho de consumo para muita
gente, não acha? Às vezes, passamos muito aperto por não lembrarmos algumas
coisas ou nomes de pessoas...
O oposto de Mnémosine era Letes, o rio do
esquecimento. Quem bebesse de suas águas “deletava” a memória, principalmente, as
memórias doloridas. Beber de suas águas era tão perigoso quanto beber das águas
de Mnémosine. O equilíbrio, nesse caso, é que deveria prevalecer, pois, é muito
importante lembrar-se de algumas coisas e esquecer-se de outras, concorda?
Atualmente, algumas pessoas parecem ter bebido de
apenas uma dessas fontes. O caso, citado acima mostra isso muito bem. A pessoa
nunca esqueceu um trauma ou uma traição da qual foi vítima no passado. Quem
nunca se esquece das amarguras precisa beber um pouquinho da água do Letes. Por
outro lado, não podemos esquecer, totalmente, do passado e fingir que ele nunca
existiu. Ele pode nos servir muito de experiência. Por isso, é preciso dosar esses
dois tipos de água para o nosso crescimento pessoal.
Eu não saberia dizer se os homens bebem mais as águas
do Letes que as mulheres. Deixo essa
questão para os especialistas. Não sei quem tem mais facilidade para
esquecer-se do passado. Será que os homens tem mais facilidade para perdoar que
as mulheres? Você decide!
Vejo, no entanto, que algumas pessoas, independentemente
do gênero, têm profundas dificuldades em perdoar e estão sempre se lembrando de
acontecimentos tristes já vividos. Parecem guardar o passado doloroso na
geladeira para evitar que ele se estrague. Escolhem as amarguras como companhia
e se esquecem de que, no passado, também viveram experiências positivas. Nesse
caso, é preciso tomar das águas de Mnemósine para se lembrarem de que nem tudo foram
amargura e dores. Quem, só se lembra das amarguras, torna a convivência difícil.
Por isso, é tão importante cultivar o perdão e fazer as pazes com o próprio passado.
Perder a memória é algo muito triste. Que o digam os
acompanhantes de quem sofre Alzheimer. Mas, se o passado foi doloroso demais
porque revivê-lo o tempo todo? Seria muito bom para a nossa saúde que
guardássemos as boas lembranças e pudéssemos esquecer os traumas e decepções.
Nem sempre isso é possível sem a ajuda de um profissional. Pense nisso!
Novamente uma oportunidade de aprendizagem, ou seja, o cardápio da mitologia grega que o Senhor nos apresenta neste texto.
ResponderExcluirQuanto as reflexões que podemos tirar, é o que sugeriu. Equilíbrio nas lembranças, e melhor seria que as memórias boas fossem mais visitadas que as negativas.
Intressante que tem mesmo gente que não se liberta do que lhe faz mal, e nem percebem isto. "Parecem guardar na geladeira" É isto ai! Só Deus para ajudar, mas o tal livre árbitro é dado, e assim fazermos as escolhas, com o objetivo de ter uma vida feliz.
Parabenizo pela linda música ao final. Ótima escolha.