Delia Mañara: A Circe moderna de Julio Cortázar
Circe é uma personagem intrigante que aparece no Canto X, da Odisséia de Homero. Odisseu perdido no oceano, por causa da fúria de Poseidon...
Circe é uma personagem intrigante que aparece no Canto X, da
Odisséia de Homero. Odisseu perdido no oceano, por causa da fúria de Poseidon, o
deus do mar, finalmente, encontrou uma ilha. Era a ilha de Circe, uma
feiticeira muito linda que despertava a paixão de todos os homens e depois os transformavam
em animais. Às vezes, eu me pergunto se isso ainda não acontece aos apaixonados...
Circe morava num lindo palácio guardado por leões (certamente os homens mais
valentões que foram vítimas de seus próprios instintos). Oferecia aos
convidados, numa taça de ouro mel puro e depois os tocavam com uma varinha e,
nesse momento, que a mágica acontecia. Cada um se transformava num bicho de
acordo com sua natureza. Veja, alguns pequenos textos sobre o assunto, copiados
da Odisséia:
“Ao teu preceito fomos,/
Laércio, num convale achamos / Em vistoso lugar marmóreo paço. / Mulher ou
deusa que a tecer cantava, / Abre, ao nosso gritar, fulgentes portas: / Este
convite, eu só de fora, temo; / De esperar canso, os mais despareceram.”
Chegando à ilha, Odisseu enviou Euriloco, um de seus homens
para sondar o local e ele lhe trouxe essa mensagem:
“Dentro ouviam cantar
suave a crinipulcra (com cabelos bonitos) Circe, / Teia a correr brilhante, que
só deusas / Lavram tão fina e bela. / Eis diz Polites, / Chefe que eu mais
prezava: “No alto, amigos, / Mulher ou deusa tece; o pavimento / Ressoa todo ao
cântico: falemos.”
Odisseu, como chefe da expedição também deveria enfrentar a
feiticeira sem cair nos seus encantos. Por isso, contou com a ajuda de Hermes
que lhe deu uma planta de raiz escura para preservá-lo do encantamento. Assim,
poderia domar a fera e ter os seus homens de volta, pois, muitos já haviam caído
nos encantos de Circe:
“Da terra aqui Mercúrio
extraiu planta, / E ma explicou: raiz escura tinha / E láctea a flor; os deuses
moli a chamam; / É-lhes fácil cavá-la, aos homens custa. /Foi-se da ilha
espessa ao grande Olimpo”.
Depois que Hermes (Mercúrio) deu a Odisseu a planta Moli para
comer ele voltou ao Olimpo, a morada dos deuses e Odisseu foi preservado dos
encantamentos de Circe.
O conto de Julio Cortázar, fala da paixão de Mário por Delia
Mañara. No início do conto uma epígrafe já dá o tom da leitura. O texto é um recorte
do poema inacabado de Dante Gabriel Rosetti, onde aparece uma bela mulher que seduz
seus amantes para um destino fatal, envenenando-os e depois jogando seus corpos
em um fosso. Eis o trecho da epígrafe:
“E um beijo eu lhe dei
na boca, enquanto pegava a maçã de sua mão. Mas, enquanto a mordia, meu cérebro
girava e meu pé tropeçou; e senti minha queda estrondosa através dos galhos
emaranhados sob seus pés e vi os rostos brancos e mortos que me acolheram na
cova”.
No texto de Cortázar, o sobrenome da jovem, Mañara, faz
lembrar a palavra aranha (araña ). Trata-se de um anagrama onde ambas as palavras
possuem sentido negativo, pois, aranhas podem ser venenosas assim como
Mañara... Além do mais, no texto diz-se que Mañara, em criança gostava de
brincar com aranhas. Mário faz referência a um tapete, com pequenos nós, o que
mais uma vez nos remete à ideia da teia de aranha.
Apesar de ter sido alertado pela família e vizinhos, Mário
não deu muita atenção pois estava meio encantado pela moça. Pensava que os dois
noivos que ele teve e que morreram não passou de uma fatalidade. Por isso,
procurou aproximar cada vez mais da moça. Nem mesmo algum alerta que recebeu
através de cartas anônimas não o convenceu a romper o relacionamento com Delia.
Em resumo: estava apaixonado! Chamava a moça para passear, e experimentava os
seus bombons. Não estranhou nem quando entrou em sua cozinha e percebeu muitas
baratas. Às vezes, estranhava seu comportamento, mas, procurava não alimentar a
imaginação. Um dia a coisa mudou de figura. Ela lhe ofereceu um de seus bombons
e ele não comeu de olhos fechados. Na verdade, nem chegou a comê-lo. Apertou o
mesmo com os dedos e viu o seu recheio de baratas ao clarão da lua. Na mesma
hora ele “atirou o bombom na cara dela.
Delia cobriu os olhos e começou a soluçar, arquejando num soluço que a
sufocava, o choro cada vez mais agudo como na noite de Rolo”, o seu segundo
noivo havia morrido em circunstâncias misteriosas. Mário foi se embora com pena
da família por ter que suportar tão grande fado, ou seja, suportar a
convivência com uma “Maria tomba homem”, como era o caso de Delia.
Imagem de MythologyArt por Pixabay




Sempre comum essa paixão desmedida que não ouve nenhum alerta de cuidado...
ResponderExcluirO passar do tempo é o melhor remédio pra cura desse mal que, muitas vezes, chega ainda a tempo.
Deus nos livre. kkk
ResponderExcluirTermino de ler e retorno para entender melhor o paralelo que faz, e a mensagem que quer deixar.
ResponderExcluirÉ interessante as leituras que faz sobre mitologia, conseguiu pinçar fatos para chegar a um objetivo final, ou seja, as arapucas fatais das atrações.
Quero deixar claro que tem sido bom ler texto como este, mescla ficção com realidade.