Crônica

Ainda não estava de todo convencido. Pensei e repensei sobre o que deveria escrever nesse “retiro espiritual forçado” por recomendação ...


Ainda não estava de todo convencido. Pensei e repensei sobre o que deveria escrever nesse “retiro espiritual forçado” por recomendação médica. Violar a ordem do doutor equivaleria a perder o paraíso! Uma semana com repouso de voz, uma verdadeira eternidade para um papagaio que sou eu. Falar muito após a cirurgia na garganta significava caçar dor com as mãos, ou seja, com a voz. Retirei-me, portanto, da convivência diária e radicalizei-me na nova postura. Abstive-me de falar e de ouvir muita coisa. Para meu refúgio levei apenas um livro de orações e “As cem melhores crônicas brasileiras”, selecionadas por Joaquim Ferreira dos Santos.


A crônica é um escrito curto e despretensioso. Um pequeno recorte da realidade capturado pelo cronista e imortalizado em algum jornal ou revista. O cronista se assemelha ao fotógrafo, vê o todo da paisagem e abstrai da mesma apenas um detalhe, ao seu olhar, digno de relevância. Vê-se desobrigado a produzir uma obra do porte de um romance ou conto. É um escrito despretensioso e serve para ocupar o espaço em branco do jornal. Sua durabilidade é de apenas um dia!



Apesar de todo despojamento da crônica, alguns cronistas se imortalizaram nesse estilo. Como ignorar os textos de Arnaldo Jabor, Rubem Braga, Luís Fernando Veríssimo e outros? Mas do que ocupar espaços vazios a crônica passou a enfeitar os espaços do jornal. Por força de hábito ou puro prazer, a primeira coisa que faço ao abrir o jornal é ir direto à crônica. Frei Beto, Carlos Heitor Cony, Mário Prata e outros dão qualidade e beleza ao jornal ou revista. Em Pará de Minas, como não admirar os textos de Hila Flávia, Déia Miranda, Ana Claúdia e tantos outros? Esses colunistas dão leveza e qualidade ao Jornal onde escrevem.



A matéria-prima da crônica é a realidade e, sendo ela, caracterizada pela multiplicidade, múltiplos são os motivos que nos levam às crônicas. Um gato morto na Rua Direita, a realidade do Cine-café, a via-sacra nas escadarias do Cristo ou as “Agruras de uma gorda”, tão bem retratadas na crônica de Hila Flávia, são exemplos de ingredientes que compõem um texto. A crônica é um escrito de vagabundagem. Ela pode nascer num ponto de ônibus, na fritura de um ovo ou mesmo quando não se pode falar, como é o meu caso. Aliás, a fala não é nosso único meio de expressão. Para falar a verdade, ou seja, para escrever a verdade, até gostei de ficar mudo alguns dias. Valeu, ao menos para refletir o quanto jogo conversa fora, em vez de aproveitar as riquezas de um bom silêncio.

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  1. ..."A matéria-prima da crônica é a realidade e, sendo ela, caracterizada pela multiplicidade, múltiplos são os motivos que nos levam às crônicas"...

    Deus seja louvado!

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