Falando de Amor

Seu sobrenome é "Rosa". No meio carrega um "Guimarães", mas nome mesmo é João. João Guimarães Rosa, o maior repr...


Seu sobrenome é "Rosa". No meio carrega um "Guimarães", mas nome mesmo é João. João Guimarães Rosa, o maior representante de Minas na literatura brasileira e, mundial. Gosto de tudo que ele escreveu. Lendo-o ouço um velho, como tantos outros, nessas grotas das Minas Gerais, falando de sua vida e seus amores. Os sertões de Minas são muitos e estão dentro da gente. Sertão é sem fronteiras e tem surpresas… Sob um céu que a tudo assiste, os sertões e as veredas carregam histórias de amor e ódio. Em suas noites sombrias, com luar mudo e belo, os amores acontecem e des-acontecem num tecido mágico onde a existência se faz. O amor é um feitiço. Ele faz o amante enxergar o mundo de forma "entortada" e por isso o feio se embeleza e o bruto se enobrece. Os trechos seguintes foram pincelados de "Noites do Sertão". Fiz questão de recortar algo que falasse do amor entre "Soropita" e "Doralda" para sua apreciação. Veja se não é algo digno de fazer a gente tirar o chapéu:

"Ele trazia para a mulher o presente que a ele mais prazia: um sabonete cheiroso, sabonete fino, cor-de-rosa. Do cheiro, mesmo, de Doralda, ele gostava por demais, um cheiro que ao breve lembrava sassafrás, a rosa mogorim e palha de milho viçoso (…) seu pescoço cheirava a menino novo. Ela punha casca-boa e manjericão-miúdo na roupa lavada, para exalar, e gastava vidro de perfume. Soropita achava que tanto perfume não devia de se pôr, pois desfazia o próprio daquela frescura. Mas ele gostava de se lembrar, devagarinho, que trazia o sabonete".

"Doralda repassava as mãos nas grossas costuras (cicatrizes) ua mão fácil, surpresas de macia, passava a mão em todo o corpo, a gente se estremecia, de cócega não: de ser bom, de ânsia. Mel nas mãos, nem era possível se ter um mimo de dedos com tanto meigo. Toda mulher gosta de espremer espinhas e cravos, tomar sorrateira conta de corpo de homem, da cara do homem".

"Tu põe a mão em mim eu arrupeio toda (dizia Doralda). Eu viro água… (…)Ela queimava alecrim, caatiguá, cipó-de-sempre, no quarto, de noite antes de irem se deitar(…) a casa almiscrava que nem igrejas…"

"Doralda, aquela elegância de beleza: como a égua madrinha, total aos guizos, à frente de todas – andar tão ensinado de bonito, faceiro, chega a mostrar os cascos (…) Um dia Soropita levou ao Andrequicé um vestido dela, tirado do corpo, para servir de amostra. Dormiu abraçado com ele – o vestido durava o cheiro dela, nas partes, nas cavas das mangas-Soropita enrolara-o no rosto, queria consumir a ação daquele cheiro, até no fundo de si, com força, até o derradeiro grão de exalo…".

"Doralda era um consolo. Uma água de serra – que brota, canta e cai partida: bela, boa e oferecida. A gente podia se chegar ao baranco, encostar a boca no minadouro, no barro peguento, amarelo, que cheira a gosto de moringa nova, aquele borbotão d água grogolejava fresca, nossa, engolida…".

"Tinha uns brincos muito grandes nas orelhas, as orelhas descobertas, o cabelo preto e liso passando alto, por cima delas, prazer como eram rosadas. Pousava, no se sentar, a fofo, sem esparrame, e quando levantava, ia à cozinha, aquele requebro de quadril hoje parecia mais avivado, feito de propósito. O Dalberto a admirava."

Hoje fico por aqui. Não dá para falar tudo de uma vez. Guimarães Rosa, não é um simples escritor, é um monumento da literatura. Em sua obra, cada vez que se cava acham-se coisas novas. O que há de mais belo nem sempre é revelado a um primeiro olhar. "A gente sabe mais de um homem é o que ele esconde". Em cada nova leitura podemos descobrir algo novo que esse mineiro, de Cordisbugo, sob esconder dos leitores mais apressados. O que recortei acima são  amostras para incentivar a boa leitura de quem já não suporta a superficialidade cultural de nossos dias.

Imagem: https://www.pexels.com/pt-br/foto/adulto-alegria-amantes-amor-236287/

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