Isca de vento

Padre Antônio Vieira, grande escritor da Língua Portuguesa, em um de seus mais belos sermões – Sermão de Santo Antônio ou dos peixes, 1654 -  entre outros peixes, cita o peixe voador.  Imitando Santo Antônio, em seu famoso “milagre dos peixes”, Vieira afirmou que também iria pregar aos peixes, naquele dia, tendo em vista que, entre eles seria mais bem acolhido.  “Falando aos peixes” queria louvá-los e repreendê-los ao mesmo tempo.

  “Louvar o bem para conservar e repreender o mal para preservar dele”. 

O sermão de Vieira foi dividido em seis partes. Inicialmente, ele enumera as “virtudes” de alguns peixes e fala do amor de Deus por eles.  Afirma que, entre todas as criaturas, somente eles foram preservadas do dilúvio. Cita o fel do peixe que curou a cegueira de Tobias e o coração do mesmo que expulsou os demônios da vida de Sara, que seria a sua nora.  Falou da acolhida de Jonas no ventre da baleia após ser descartado pelos homens...

Na segunda parte do sermão, Vieira repreende os peixes citando, nominalmente, alguns deles e lamentando que entre os homens encontrasse os mesmos motivos para as repreensões.  Vale dizer, que Pe. Vieira era um homem à frente de seu tempo. Já no Séc. XVII criticava a escravidão, a exploração aos índios e a ganância dos colonizadores.  Acabou tendo sérios problemas com os poderosos por causa de seu profetismo tendo, inclusive, que responder a processos no Tribunal do Santo Ofício e sendo preso por algum tempo. 

Criticando alguns peixes Vieira, na verdade, criticava o comportamento dos homens de seu tempo. Ao falar sobre o peixe voador afirmou que esse peixe morre por nada vitimado pela vaidade de ser o que não é. Em regra geral, o peixe morre, na tentativa de matar a fome ao abocanhar a isca. O peixe voador, no entanto, se contenta em morrer por uma isca de vento... Ao saltar da água acaba caindo, naturalmente, no barco do pescador.  A vaidade de querer ser pássaro faz com que ele não se aceite tal como é. Em vez de se contentar com a vastidão do oceano quer também o mundo dos ares.

 “Quisesses ser melhor que os outros peixes, e por isso, sois o mais mofino de todos” (...). “Aos outros peixes mata-os a fome e engana-os a isca, ao voador mata-o a vaidade de voar, e a sua isca é o vento”(...). “Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem”. 

Diferente do peixe voador, Santo Antonio teve assas, mas soube voar para baixo e não para cima. Sua humildade fez com que ele passasse despercebido grande parte de sua vida. Logo ele, a “Arca do Testamento”, nunca usou a inteligência para se envaidecer. Existem asas que servem para subir e asas que servem para descer. As asas, quando usadas para subir, são muito perigosas. Que o diga Ícaro, figura expressiva da mitologia grega. Movido pelo desejo de voar, cada vez mais alto, acabou caindo no mar pois, o sol derreteu a cera que prendia as penas de suas asas. 

Santo Antônio com a sabedoria natural que possuía e a sobrenatural que lhe foi dada por Deus poderia ter sido vítima da vaidade. Mas, seus grandes dons não mudaram em nada sua humildade e sua simplicidade. Que grande lição para o nosso tempo! Atualmente, temos muitos "peixes voadores" que vendem a alma por apenas alguns minutos de fama e de vaidade...

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