Maria Godê

Não é difícil vasculhar a memória e achar coisas e mais coisas, como acontece, a quem remexe a um velho baú. Mas, isso não interessa ao leitor que, assim como toda a gente, tem pressa com a vida. Aliás, poderia escrever algo sobre a pressa e as peças que elas nos pregam. Mas, não vem ao caso, para quem se propôs, inicialmente, a contar a saga de Maria Godê e seu cavalo resoluto. 

Ela era solteirona por forças de circunstâncias. A bem da verdade, nunca quis isso nem em sonho! Aliás, seus sonhos andavam noutra direção: queria um marido que lhe desse companhia e enchesse de calor suas noites vazias. Chegou a costurar um vestido de noiva que, volta e meia, exigia uma expansão na cintura. O modelo godê (forma de leque), com o tempo se aproximou do modelo quadrado! Sem prenunciar as desgraças futuras vazou a informação aos mais íntimos que, confidenciaram o segredo a outros íntimos... Isso acabou rendendo-lhe o famoso apelido que virou sobrenome. E ai de que o pronunciasse! Alguns, por pura maldade, chegavam a consultá-la sobre roupas nupciais...

A vida passou e Dona Maria tornou-se uma senhora respeitável, mais senhora que respeitável, é bom que se diga. Adquiriu um cavalo, estribos e Sião (arreio feminino) com revestimento cor de rosa. Quem sabe não chamaria a atenção de algum desprevenido após essa revanche?  Apesar do esforço e do investimento, Dona Maria não viu, nem de longe, o sorriso da sorte. E para complicar ainda mais a situação seu cavalo não lhe obedecia. Se ela queria ir para a direita ele ia para a esquerda; se queria parar ele avançava... Chegou mesmo a embrenhar-se com ela, mato adentro, colecionando arranhões e uma chuva da carrapatos! Para montá-lo precisava da ajuda das vizinhas. Depois de dada a largada, só Deus saberia o desfecho da odisseia! As piadas eram constantes. Alguns chegavam a perguntar ao cavalo onde ele estava indo com a condutora! Quando a situação chegou ao limite do suportável, Godê vendeu o bicho para o dono do engenho. Só então ele tomou tento. 

O tempo passou e Maria jaz morta. Nem tudo foi perdido. Foi para o Campo Santo com seu amarelado vestido de noiva. O buquê foi deixado para trás e nenhuma das moças quis disputá-lo. Por que será?