Por fora bela viola, bela viola. Por dentro, pão bolorento

A sabedoria de nosso povo colecionou muitos ditos populares, conforme o que intitula esse texto. Eles estão presentes nos pára-choques de caminhões, espaços públicos e, sobretudo, na música popular. Essas afirmações, carregadas de simplicidade, escondem grande sabedoria. Talvez, o cantor Bezerra da Silva, seja o maior "filósofo do morro" que o Brasil conheceu. Ele incorporou em suas músicas muitos provérbios e afirmações populares. Vejamos:

Por cima é balangandã, por baixo é molambo só; 

Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro; 

para quem sabe ler um pingo é letra; 

se Leonardo da vinte, por que  é eu não posso dar dois; 

se gritar pega ladrão; a sua batata está assando, etc.

Seria bom, lapidar algumas dessas "pérolas" para ver que verdades elas escondem. Melhor  ainda é fazer um paralelo entre elas e alguns ditos de Jesus. Certa vez, Jesus comparou os fariseus com "sepulcros caiados" (Mt, 23,27). No tempo de Jesus, as sepulturas eram pintadas de branco pois, sendo assim, poderiam ser vistas de longe e evitadas. Elas guardavam tanta impureza que era melhor não aproximar muito. Mesmo que por fora estivessem lindas, por dentro estavam cheias de podridão. "Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento".  Os fariseus devem ter ficado "muito felizes" com essa comparação... O que significa ser belo por fora e podre por dentro? Essa realidade não é muito estranha em nosso meio. Quase sempre, dizemos uma coisa e fazemos outra. Há um distanciamento entre nosso discurso e nossa prática. Vendemos uma imagem do que não somos. Quase todos dizemos ser católicos, às pesquisas do IBGE,  mas, no privado,  fazemos coisas que até Deus duvida!

Se fizermos um estudo dessas frases populares, poderemos escrever livros e mais livros! Elas carregam a sabedoria de um povo que nem sempre freqüentou escolas, mas aprendeu muita coisa com a vida.  Trazem a marca de quem "mata um leão por dia para sobreviver" e sabe que, nesse mundo-cão, "camarão que dorme a onda leva" e  " quem dorme sorrindo em copo d’água é dentadura". Como se pode ver, além da sabedoria que carregam tais afirmações são portadoras de muito bom humor.

Na música "Tua batata ta assando", Bezerra da Silva deixou claro que não ligava muito para as críticas: "quem quiser falar de mim, que fale agora, não me deixe virar as costas pra jogar conversa fora…"

Dizer que a batata estava assando, era afirmar que cada um, tinha e tem o seu dia de fracasso. "Quem tem telhado de vidro não deve atirar pedras no telhado alheio". Não é só o outro que cai ou tem um dia azarado. Qualquer um está sujeito a isso. É preciso tomar cuidado com o excesso de confiança em si mesmo. Isso me faz lembrar outra passagem bíblica, quando Jesus alerta o rico que confiava demais na própria riqueza: "tolo hoje mesmo tu vais morrer" (Lc 12,20). Sem prejuízo, Jesus poderia ter dito: Olhe, tua batata está assando e "quando a barba do vizinho está pegando fogo, é melhor colocar a própria barba de molho". Isso nunca valeu tanto, como num tempo de pandemia como o nosso! Não podemos pensar que um vírus só age no quintal do vizinho! E além do mais, "prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém..."

Assim, como de "de grão em grão a galinha enche o papo", o povo vai vivendo e colecionando essas pérolas de sabedoria popular. Jesus citava, com freqüência, essas frases de seu tempo. Quando disse: "santo de casa não faz milagres" (nenhum profeta é bem recebido em sua terra- Lc 4,24), estava usando afirmações da sabedoria popular. Bom, poderíamos falar ainda, muita coisa ainda sobre o assunto. Mas, é bom lembrar-se de que "Roma não se fez num dia" e "que de grão em grão a galinha enche seu papo". Por hoje é só. Fé em Deus e pé na tábua!

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