Rezas de maio

O Cruzeiro, de madeira boa, sinalizava o espaço sagrado no alto do morro, bem na curva da estrada. Aquele era o local que mais junta...


O Cruzeiro, de madeira boa, sinalizava o espaço sagrado no alto do morro, bem na curva da estrada. Aquele era o local que mais juntava o povo da comunidade.  Na época não havia televisão, botecos e até mesmo o futebol de várzea andava em crise. Aos pés da cruz, concentrava a vida social dos habitantes. Ali, se arranjavam namoradas, exibiam roupas novas e algumas raras habilidades dos moradores.
Havia uma escala de festeiros para cada noite de maio. A obrigação do festeiro era limpar o adro da cruz, enfeitar o ambiente, juntar lenha para a fogueira e arrecadar leilões. Os leilões traduziam nossa pobreza: Pencas de bananas, sacos de mandioca, feixes de cana... Raramente, aparecia um frango assado ou um prato de lingüiça. Quando aparecia coisa desse tipo os meninos perdiam o juízo.
Ninguém sabia de nada que acontecia ao redor do mundo, mas todos rezavam com respeito e latim. O latim, à nossa maneira, é claro. A “tiradeira” do terço era oficial. Quase ninguém ousava ocupar o seu posto. Era solteira, madura e, vista de longe, portava certa elegância. À noite todos os gatos são pardos... 
Ao final da “Salve Rainha”, começava-se uma ladainha sem fim. “Regina Angelorum”, dizia a rezadeira. – “Ora pro nobis”, respondia a galera. Por minha vez, nunca soube ao certo, o que significava “ora pro nobis”. Pensava que fossem verduras para a tal Regina...
Algumas mulheres levavam sombrinhas novas para as rezas, mesmo nas noites de maio quando não havia nem sombra de chuva. O objetivo era outro: Exibir as sombrinhas. A gente achava lindo!  Era um deslumbre as saias plissadas e as nesgas das sombrinhas... Nas brasas vivas da fogueira se assavam mandiocas e batatas e sonhos. O cheiro se espalhava nos ares e arredores. Até as estrelas pareciam brilhar mais nas noites frias.
Uma vez na vida e outra na morte, um padre aparecia para rezar missa. Ele se parecia a um ser de outro mundo. A comunidade fervia, nessas ocasiões. Estendiam lençóis brancos sobre bambus retorcidos improvisando uma barraca onde o padre celebrava. Forravam tudo com coberturas, de tal maneira, que o padre não pisava no chão. Meu pai não gostava de padre. Mas, a gente não ligava para suas implicâncias.  
As rezas de maio encantaram meus dias e deram sentido à minha vida. Hoje sou padre e não exijo tapetes para rezar missas. Tudo mudou e muita coisa perdeu o encanto, menos as rezas de maio.  Como tudo era  lindo, meu Deus!

Imagem de Martin Str por Pixabay 

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  1. A Cruz, Maria, as mães, São José operário. Dentre tantas rezas e festas o que eu mais gosto e da paisagem de Maio. Fico sempre admirando as plantas e o céu. É muito lindo o mês de Maio!

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  2. Seu pai não gostava de padre e o senhor se tornou este grandioso padre.

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  3. Maio para me traze doces recordações.
    Coroar Nossa Senhora, a festa de Santa Cruz, 13 de maio....
    O cheiro das flores..meu Deus!!!
    Quanta saudade!

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  4. Muitas recordações. Que saudades! Parabéns Padre Geraldo por tantas lembranças do passado

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  5. Que beleza estas lembranças! Nos faz reviver bons momentos! Hoje em nossa comunidade, comemoramos também o Dia da Santa Cruz! Muitas coisas que o senhor citou, ainda se faz presente no Mês de Maio!Os festeiros, a rezadeira, os leilões! A fé e o amor a Nossa Senhora! Realmente é muito lindo o mês de Maio!

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  6. Maio, sempre foi o mês mais bonito, eu coroava, até brigava para colocar a coroa em N Senhora, morava em Belo Horizonte, não me lembro de ir a um cruzeiro em BH,mas tinha certeza que era o símbolo da minha fé, minha vó que era da roça mas foi morar na capital nos ensinava o significado da Santa Cruz , era isso mesmo, maio o mês da Santa Cruz, o mês das mães, o mês das noivas e o mês de Nossa Senhora, mas me lembro bem quando eu vinha pra cá , na Varginha, terra do meu pai e a gente rezava o terço na Santa Cruz, era um lugar diferente mas não era um lugar alegre pq sabíamos que Jesus morreu na Cruz, Era o lugar que a gente revivia toda a tristeza da morte de Jesus, era a minha visão , era o que eu sabia a Cruz com todo respeito, era triste !

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  7. Belíssimo texto . junto com ele viajei nos meses de maio com minha mãe. muitas coisas boas. corações todos os sábados,passava a semana tentando decorar as cantigas .

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  8. Gostei muito das descrições do texto sobre a festa. Deve ter sido ist mesmo em varios locais onde se tinha a cruz no alto do morro.
    Eu como sempre tive um vida urbana, tenho esta lacuna, porque na cidade grande não tinhamos ou temos festa do Cruzeiro. Gostaria muito de ter tido esta vivência.
    Recentemente, ou seja poucos anos atrás fui na festa do Cruzeiro na Cachoeirinha, encantei com o capricho dos parentes no preparo desta festa.
    Preservar esta cultura seria muito bom.

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  9. Que riqueza de detalhes! Que viagem no tempo Padre Gabriel! Tenho também, toda a minha infância marcada por um evento anual, familiar, que acontecia na Mata da Juliana, um marco na nossa história de fé católica, era a "Festa na Cruz". Na verdade, os adultos iam pela oração e nós íamos pela diversão. Rsrs

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