Muito mais do que dia de comer doce de leite, Sexta-feira da Paixão, para mim, não é um dia igual aos outros. Ficou longe a lembranç...
Muito mais do que dia de comer doce de leite, Sexta-feira da Paixão, para mim, não é um dia igual aos outros. Ficou longe a lembrança de quando o caminhão de leite não ia buscar o produto nas fazendas e os fazendeiros movidos pela ‘generosidade’ doava o leite aos pobres da vizinhança. Do lado dos pobres estava eu e mais uma porção de meninos descalços esperando, com um tacho no fogo, pelo grande dia. Era doce de leite para ninguém botar defeito. Mamãe amarrava as palhas do milho na ponta de um bastão que servia de colher, para mexer o doce sem arranhar o fundo do tacho de cobre, uma compra preciosa que fizera a preço de ouro, da última cigana que pintou no pedaço. A gente tinha um medo irracional dos ciganos. Diziam que eles roubavam galinhas e meninos. Não sei o que fariam com os meninos se já tinham tantos. Quanto às galinhas...
Hoje é Sexta-feira da Paixão. Levantei-me, mais cedo do que de costume. Quis imitar Maria Madalena que foi ao túmulo quando ainda estava escuro. Ao entrar na Igreja percebi que a casa parecia maior e muito mais triste. O vazio do lugar me provocou arrepios. Senti que Jesus não estava no local de costume. O sacrário aberto e a luzinha apagada me fizeram lembrar a pedra que fora retirada da sepultura. A sensação foi a mesma que tive ao visitar, certa vez, a casa de um grande amigo após sua morte. Tudo me parecia falar dele. Vi o cantinho onde costumava ficar, seu chapéu no cabide, o balaio ao lado do fogão, mas, ele mesmo, não pude ver. A casa estava lá, mas faltava-lhe o coração. Foi assim que percebi a Igreja no dia de hoje. Sem o Sacrário a Igreja estava sem coração e sem vida...
Durante a oração lembrei-me de uma estória contada por Dom José Belvino. Quis imitar a menina do relato que foi, mais ou menos, assim: A mãe da menina era Ministra da Eucaristia e preparava as hóstias, na sacristia da Igreja, para serem consagradas. Limpou bem as vasilhas, encheu-as e tampou tudo direitinho. Sua filhinha que a observava retirou uma hóstia com dificuldade do vasilhame, beijou-a e colocou-a novamente no mesmo lugar. Alguém observou a cena e teve a curiosidade de perguntar: - por que você fez isso? – As hóstias ainda não estão consagradas! A menina respondeu, prontamente. Eu sei. Sei que não estão consagradas. Mas, brevemente, irão para o altar e o que agora é pão, logo será o Corpo de Cristo. Pensando nisso, resolvi beijar uma delas. Assim que Jesus chegar saberá que deixei-lhe o meu beijo...
Pensei nessa estória e quis imitar o gesto da menina. Beijei o sacrário com amor. Sabia que Jesus não estava ali, mas, que ainda pouco tivera. Seu perfume, nardo puro, provavelmente, ganhado de alguém, exalava, suavemente, daquele espaço. Não tive aquela dúvida de Madalena que, mergulhada na dor, o confundiu com o jardineiro. Tive a certeza que Ele estará sempre comigo e voltará para minha Igreja na mesma tarde de hoje e, voltará definitivamente no Sábado de Aleluia. Graças a Deus! Assim poderei encontrar-me com Ele todos os dias do ano e diversas vezes por dia. Quero que isso aconteça durante toda a minha vida. Depois da vida estarei, definitivamente, ao seu lado no céu...
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