Palavra Poética

O verbo tem que pegar delírio... O lírio estica a noite... Poeta lambe as palavras e se alucina... Lírios e garças são...


O verbo tem que pegar delírio...
O lírio estica a noite...
Poeta lambe as palavras e se alucina...
Lírios e garças são imaculantes...

            As afirmações acima são de Manoel de Barros, um dos meus poetas preferidos. Assim como Guimarães Rosa, Manoel brinca com as palavras para arrancar delas a melhor forma e beleza poética para compor os versos. Ele não apenas “lambe” as palavras. Nelas ele se lambuza mais do que formiga doceira no pote de mel. Assim é o poeta que “não gosta do traço acostumado”. Nasceu para engrandecer o ínfimo e dar resplendores de grandeza ao imprestável. Revela sua grande intimidade com a palavra ao ponto de extrair da mesma o suco e o muco.

            Ao ler o livro do profeta Ezequiel com seu estilo apocalíptico, lembrei-me dos dois escritores citados. O profeta fala que Deus o pediu para “comer” o livro. Coisa que ele obedeceu prontamente e após fazê-lo percebeu que o livro tinha gosto de mel(Ezequiel 2,8-3, 4). O texto bíblico possui grande riqueza de sentido. Mas, é preciso entendê-lo de forma poética. Na poesia é permitido fazer o que não é permitido no discurso lógico.

            Após “comer” a Palavra de Deus, o profeta recebe a missão de proclamá-la entre os seus. Ele, no entanto, não deve repetir a palavra, feito maritaca. Após “mastigar” a palavra ele deve repropor seu conteúdo. Deus não quer o profeta como mero repetidor de textos decorados. O pregador fala o que recebeu como inspiração divina, mas o jeito de falar é dele. Deus é infinitamente criativo e por isso não criou ninguém clonado. Nós, que nada entendemos é que gostamos de clonagem. Isso talvez aconteça, em razão de nossa vaidade desmedida. Queremos um clone de nós mesmos ainda que não admitamos. Por ser único, o pregador transmite a mensagem de Deus que ele deixou penetrar em seu coração de uma forma só dele. Fala a partir de sua visão de mundo, sua bagagem cultural, lugar social, etc.

            No texto de Ezequiel, podemos perceber que antes de se tornar um pregador ele também “lambeu a palavra”. A convivência íntima com a palavra é o segredo para quem quer anunciá-la. Na linha de Manoel de Barros, penso que o pregador deve ruminar o verbo. Ruminar é o que faz o boi que, durante o dia, pasta apressado, mas à noite rumina o pasto ingerido. Ruminar as experiências do dia é trazer para a meditação noturna as múltiplas experiências vividas. Ruminar é mastigar de novo o que nos aconteceu para tirar o melhor suco das realidades experimentadas. Pena que comemos tudo de forma muito apressada...

            Dizem que “mineiro come quieto e come também pelas beiradas”. Acho bom que isso seja verdade. Pelo menos assim, podemos apreciar a palavra de Deus e procurar os melhores atalhos para entendê-la. Foi isso que procurei fazer nesse texto. Tomara que você goste de poesia!

Imagem de Lolame por Pixabay 

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  1. ..."Após “comer” a Palavra de Deus, o profeta recebe a missão de proclamá-la entre os seus"...

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  2. ..."As afirmações acima são de Manoel de Barros, um dos meus poetas preferidos. Assim como Guimarães Rosa, Manoel brinca com as palavras para arrancar delas a melhor forma e beleza poética para compor os versos.."..

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