Vidas Secas
Retirantes, Candido Portinari Estava com muita fome de literatura e, por isso, reli “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. A boa literat...
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Retirantes, Candido Portinari |
Estava com muita fome de
literatura e, por isso, reli “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos. A boa
literatura é como bom vinho: quanto mais velho melhor. O livro compõe-se de
treze capítulos autônomos. Distribuído neles está o drama dos personagens:
Fabiano, Sinha Vitória, dois meninos sem nomes, a Cahorra Baleia, um “Soldado
Amarelo”, que representa o governo e um papagaio que acaba servindo de comida
para a família de retirantes nordestinos castigada pela seca.
Graciliano
Ramos pertenceu à segunda fase do Modernismo Brasileiro e escreveu “Vidas
Secas” em 1938, época do Governo Vargas. Nesse tempo o mundo e o Brasil estavam
conturbados na economia e política. Em novembro de 37, Getúlio inicia uma
ditadura com o auxílio dos integralistas. É o chamado Estado Novo, um período antidemocrático
e anticomunista baseado num nacionalismo conservador e num culto a
personalidade de Vargas.
Fabiano
e sua família retratam a realidade de milhares de brasileiros empobrecidos e
esquecidos pelo governo nesse mundo de meu Deus. Ele se nivela aos animais e
por vezes tem dúvidas se é homem mesmo. Apesar da constante expulsão da terra o
grupo apresenta raramente um desejo de sair da situação de pobreza. Deseja uma
cama de couro como a de Seu Tomás da Bolandeira. A Cachorra Baleia muitas vezes
matou a fome da família caçando preás. Apesar disso, teve um trágico fim.
Fabiano a matou por suspeitar que estivesse com raiva. Ao lado de tantos outros
fantasmas, como a seca, por exemplo, o fantasma de Baleia também persegue
Fabiano. Certa vez, indo à cidade para comprar mantimentos acaba sendo autuado
pelo “Soldado Amarelo” e preso sem saber o motivo. Mas, “governo é governo”,
por isso aceita a voz de prisão.
Após
essa breve introdução apresento alguns trechos aleatórios do livro para
apreciação do leitor:
“...Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. (...) e pensando
bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar
as coisas dos outros.(...) Corrigiu murmurando: Você é um bicho, Fabiano.
“... a cachorra Baleia, aos saltos, veio lamber-lhe as mãos grossas e
cabeludas. Fabiano recebeu a carícia, enterneceu-se: - Você é um bicho,
Baleia.”
“... Montado, confundia-se com o cavalo grudava-se a ele. E falava uma
linguagem cantada, monossilábica e gutural, e o companheiro entendia.”
“... Seu Tomás da Bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de
jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia. Esquisitice um homem remediado
ser cortês. (...) Sinha Vitória desejava possuir uma cama igual à de Seu Tomás
da Bolandeira. Doidice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era
doidice. Cambembes podiam ter luxo?”
“... Tenha paciência, apanhar do governo não é desfeita. Mas, agora
rangia os dentes e soprava. Merecia castigo?”
A
releitura de “Vidas Secas” reavivou minhas lembranças e me fez refletir sobre
as vidas secas de hoje. Quantos Fabianos existem por aí, sofrendo as
conseqüências do empobrecimento e da exclusão social? “... Tinha
culpa de ser bruto? Quem tinha culpa? (...) Vivia trabalhando como um escravo.
Desentupia o bebedouro, consertava a cerca, curava os animais – aproveitara um
casco de fazenda sem valor. Tudo em ordem podia ver.”
Fabiano
e sua família são atuais. Eles sobrevivem nos milhares que sofrem com a
pobreza. Apesar disso, nunca perdem a esperança. “... Iriam para adiante, alcançariam uma terra desconhecida (...) e
andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas
fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias (...)
chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela.” Faltou
dizer: uma terra onde corre leite e mel...
..."Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias (...) chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela"..
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