Crianças no tempo da escravidão

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Esse texto que ora escrevo, nasceu motivado pela leitura de outro chamado “Negrinha”, de Monteiro Lobato, um dos maiores escritores do Brasil. “Negrinha” (1), conta a história de uma criança, filha de escrava, que foi criada, sem ter o direito de chorar, na casa de uma solteirona, inconformada com a abolição. Para aliviar-se do estresse Dona Inácia, uma cristã, de primeira fila, surrava Negrinha todos os dias. Negrinha não tinha nome, não tinha nada. Nem mesmo podia brincar. Dona Inácia, certo dia, a castigou colocando um ovo quente em sua boca e amordaçando-a, para que os vizinhos não escutassem seus gritos...

Ao ler esse texto fiquei curioso sobre a situação das crianças, filhas de escravos durante o período da escravidão. Mas, saber algo sobre isso é uma tarefa bem difícil. Faltam muitas informações, até mesmo sobre os escravos adultos, desse período. Grande parte da documentação referente à escravidão foi queimada por ordem de Rui Barbosa, enquanto Ministro da Fazenda, em 1890(2).

Antes, porém, de falar da criança escrava e filha de escravos é preciso retomar o lugar da criança, em geral,  no séc XVI. Apesar de o Brasil ter sido “descoberto” em 1500, suas terras começaram a ser povoadas pelos colonizadores em 1530. As crianças fizeram parte desse processo de colonização. Muitos “miúdos” foram enviados à colônia pelo rei de Portugal enfrentando verdadeiras epopeias marítimas. A bordo dos navios portugueses elas embarcavam como grumetes (ajudantes de limpeza... aprendiz de marinheiro...). Algumas vinham como pgens outras como órfãs do rei, enviadas ao Brasil, para se casarem com os súditos da coroa. Outras, em menor número vinham na companhia dos pais. A presença das mulheres era rara e às vezes, proibidas a bordo. Isso tornava as crianças vulneráveis a toda sorte de abuso sexual e maus tratos. Esses abusos eram tolerados até mesmo pela inquisição (3). Muitas vezes, as crianças eram prostituídas e exauridas até a morte. A expectativa de vida das crianças portuguesas, entre os séculos XIV e XVIII rondava os 14 anos, enquanto cerca da metade dos nascidos vivos morria antes de completar 07 anos!

Após a descrição acima, podemos constatar o quanto era difícil ser criança naquele tempo. Sendo tempos difíceis para as crianças brancas, filhas de europeus, imaginem a situação das crianças escravas! Era um “peso morto” dentro da lógica do sistema escravocrata, pois sem condições de trabalhar tinham que ser sustentadas pelo senhor até a idade adulta. Mas, a idade adulta naquele tempo girava em torno de 12 anos ou menos ainda. Além de não poderem trabalhar as crianças atrapalhavam o trabalho da mãe. Dois dias, após o parto,  era o prazo concedido a uma escrava para que ela retornasse ao trabalho nas lavouras. Muitas morriam por causa disso e seus filhos também morriam. Algumas crianças eram compradas a preços módicos para serem revendidas quando adultas por um preço mais alto. Outras simplesmente eram retiradas das mães e doadas a quem quisesse. Foi algo assim, que aconteceu com Zumbi, o líder do Quilombo dos Palmares. Dizem que foi sequestrado em Palmares, ainda criança e entregue, de presente, ao Padre Melo, de Porto Calvo, para que o criasse. O padre deu-lhe o nome de Francisco e procurou educá-lo. Mas, na adolescência ele fugiu de casa (4).

No período da escravidão, a vida de uma criança mudava já aos cinco ou seis anos de idade. Passava a ajudar a mãe nas tarefas, carregavam trouxas de roupas, levavam recados... As meninas carregavam apetrechos da senhora e ajudavam a cuidar dos mais novos. Os filhos dos senhores, mesmo crianças, já tinham seus escravos. Os castigos às crianças escravas não eram muito diferentes dos castigos reservados aos adultos: Grilhões, colares e correntes de ferro, márcaras... Para libertar os filhos de tamanho sofrimento não era incomum que as próprias mães os matassem (5)!

No tempo da escravidão, a Colônia, chamada Brasil, conheceu uma instituição que serviu para acolher crianças abandonadas:  Foi chamada “Roda dos Expostos”. Algumas escravas abandonavam seus filhos na porta de alguma casa ou instituição, para que fosse adotada por outros. Isso acontecia também com mães brancas que não queria aparecer grávidas e ficarem mal faladas. Em algumas casas colocavam-se, na parede da frente, uma roda giratória, onde as crianças poderiam ser deixadas preservando o anonimato dos pais.

A roda é uma espécie de tambor giratório com uma abertura, e que realiza uma comunicação entre a rua e o interior de um edifício. É um instrumento que está em funcionamento desde a Idade Média. É possível utilizar a roda para levar ao interior de clausuras diversos objetos. No caso tratado eram entregues anonimamente através da roda crianças com poucas horas de vida, a chamada Roda dos Expostos (6).

Essas crianças abandonadas eram chamadas de “filhas da roda”. Na verdade, eram crianças cujos pais não puderam ou não quiseram criá-las. Levar a criança para a “Roda dos Expostos” não era garantia de vida.

Em uma década, segundo Pereira da Costa, a Roda dos Expostos do Recife acolheu 1.504 crianças, das quais 1.098 foram a óbito o que corresponde a 73,00% dos depositados (7).

Às crianças escravas eram negados os direitos mais fundamentais. Segundo o escritor inglês Thomas Ewbank (1973), em um leilão de escravos, realizado no Rio de Janeiro, era proibido à criança escrava até mesmo de chorar em público (8).

Costumo dizer que o Brasil tem uma dívida social com os negros. Por muitos séculos eles irrigaram nossa terra com o próprio sangue. Por isso, me dói muito quando vejo, atitudes racistas e preconceituosas. Infelizmente, esse pecado tem crescido em nossos dias. Radicalizar também não resolve muito. Corremos o risco de um racismo às avessas. Negros e brancos, pardos e amarelos. Isso, não importa, quando aceitamos que somos todos irmãos e pertencemos a uma única raça: a raça humana!

Fontes consultadas para esse texto:

1, Moricone, Ítalo (Org). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. Pág. 78

2, Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. SP: Edi. Da Univer. De São Paulo,2013 – p. 65.

3, Priore, Mary Del (Org). História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004 – p. 19.


5, Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. SP: Edi. Da Univer. De São Paulo,2013 – p. 119.

6, https://www.redalyc.org/pdf/770/77053028004.pdf - Consulta em 03/12/19 - Suely Creusa Cordeiro de Almeida e Janaína Santos Bezerra.

7- Idem. P. 158.

8, Moura, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. SP: Edi. Da Univer. De São Paulo, 2013 – p. 119.

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  1. Século 21 e ainda se ouve falar em racismo, coisa que acontece apenas na raça humana. "Criança negra não poderia nem mesmo choram em publico" Belo texto que expõe a realidade de outrora e infelizmente de tempos atuais.

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  2. Estamos vivendo um momento onde que se parece que abriu o armário e preconceito, o racismo tornaram se protagonistas da nossa história. Temos sim uma dívida social com os negros. Infelizmente o que presenciamos? Chacinas! Ótimo texto Padre...pouca coisa mudou. 😔

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  3. Excelente texto Padre Gabriel, aborda de forma simples e clara um tema tão complexo como a escravidão. É incrível pensar que embora a escravidão tenha acabado a 131 anos, infelizmente muitas pessoas ainda olham para os negros da mesma forma, como se nunca fossem bem vindos em nenhum lugar. Como se estivessem sempre sob suspeita. Como uma eterna ameaça, esquecendo-se de que foram eles que sofreram toda a violência. Não podemos esquecer, precisamos lembrar sempre. E uma maneira de fazer isso é mostrando para nossos alunos como de fato a escravidão aconteceu. Textos como este, pequenos e de fácil compreensão são muito bons para trabalharmos em sala de aula, vou usá-lo com certeza. Muito obrigada. Eliana, professora de História.

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  4. Infelizmente este texto é recheado de verdades. Existem temas na vida que deveriam nos indignar sempre, e umadelas é a escravidão e em destaque as criancas vitimas ainda mais das atrocidades.
    Padre, deixo uma sugestão já que o Senhor fez uma rica pesquisa informando as fontes para a construção do texto que comprovem visitando um museu da escravidão no Brasil com certeza sairão perplexos e com a emoção balançada.
    Caso isto não aconteça, a sua indiferença é preocupante.
    Finalizo pedindo que todos nós deveríamos visitar um museu com os instrumentos de castigo dos escravos.

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  5. É difícil não sentir tristeza ao ler esse texto.
    Infelizmente ainda tem pessoas que pensam que o sangue que tem nas veias é melhor de que o dos outro, mesmo em dias atuais.

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  6. O ser humano é tão mesquinho! Não enxergar nos negros Jesus Cristo, foi um dos maiores absurdos da nossa história. Como Hitler não via Jesus nos judeus e outras atrocidades que mancharam o planeta. Cada um de nós temos nossas escolhas. Deus deixou-nos livres nesse sentido.

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