A Palavra de Deus é como a chuva
Quem foi criado na roça, como eu fui nunca perde certas lembranças. Nem de longe, a gente tinha o conforto das crianças de hoje, mas,...

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Quem foi criado na roça, como eu
fui nunca perde certas lembranças. Nem de longe, a gente tinha o conforto das
crianças de hoje, mas, em compensação, tínhamos muito mais contato com a
natureza. Nossa relação com ela era bem maior. Assim, janeiro nos lembrava das chuvas,
junho do frio, outubro da seca... O clima parecia mais definido. No começo do
ano era enchente que não acabava mais! No meio do ano tínhamos laranjas
maduras. Os pés de laranjas eram enormes e não “nanicos” como os de hoje. Junho
era geada na certa! As noites de junho eram compridas e estreladas... Hoje tudo
ficou igual. A gente nem separa mais os tempos. As mangas podem ser encontradas
o ano inteiro no mercadinho mais próximo. Milho verde não lembra mais o começo
do ano. Forçamos o milharal a produzir o tempo todo. Naquele tempo eram necessárias
dez vacas para produzir o mesmo leite que uma única vaca produz atualmente.
Será que o leite é o mesmo? Será que as mangas tem o mesmo sabor?
Mas, não foi para falar sobre
vacas e laranjas que iniciei esse texto. É para falar de outro elemento da
natureza que me traz boas recordações e daí comentar uma passagem bíblica. Quero falar da chuva. Lembro-me, como se fosse
hoje, da chuvarada daquele tempo. Primeiro o céu ficava escuro. Os raios e
trovões davam sinais de alerta. Era hora de tirar o feijão do terreiro,
recolher as roupas no varal, fechar os pintinhos no galinheiro. Em seguida, a
serra mudava sua cor de verde musgo para branco gelo. E assim, como um véu de
noiva, a chuva caia, generosamente, sobre toda a pastagem. As árvores mais altas
agitavam seus galhos ao vento como se aplaudissem a chegada das chuvas. As
vacas, mais pirracentas, lhe davam as costas
e os cavalos ficavam inquietos até que se acostumarem com aquele banho forçado.
As primeiras chuvas davam mais
medo e tinham certo potencial destrutivo. Em meados de março elas coroavam tudo
com generosas enchentes que prateavam todos os brejos. A “saparia” entoava
verdadeira orquestra ao cair das tardes. A gente, naquele tempo, sentia cheiro da chuva e se alegrava com ela.
Sua presença anunciava boas colheitas e muita fartura. Às vezes reclamávamos um
pouquinho só para arranjar assuntos. Quando a chuva tardava em cair íamos
molhar os pés da Santa Cruz para que Jesus se lembrasse de nossa secura. Quase
sempre funcionava.
O profeta bíblico (Is 55,10-11),
vivendo no exílio da babilônia (540 a C), usa a imagem da chuva para
reanimar o seu povo. Era de se esperar,
que o povo estivesse se sentido abandonado por Deus, vivendo em terra estranha,
com estranha gente... Agindo como porta-voz de Deus o profeta fala ao seu povo:
Eis o que diz o Senhor: "Assim como a chuva e a neve que descem
do céu e não voltam para lá sem terem regado a terra, sem a terem fecundado e
feito produzir, para que dê a semente ao semeador e o pão para comer, assim a
palavra que sai da minha boca não volta sem ter produzido o seu efeito, sem ter
cumprido a minha vontade, sem ter realizado a sua missão".
Essas palavras, certamente, fez o
povo encontrar novo ânimo e acreditar na libertação do cativeiro. Sob frágil
aparência, a chuva tem grande potencial
de transformação. Sem fazer alarde, penetra na profundeza da terra seca e faz “ressuscitar”
a semente que esperava, ansiosa, por
esse momento. Com mão invisível essa água que cai do céu envolve tudo com seu
abraço assim como, uma mãe amorosa, que abraça seus filhos. São Francisco de
Assis a chamava de “irmã” chuva... Exagerando um pouquinho eu me atrevo a
chamá-la de mãe. A chuva fecunda a terra e faz acordar toda espécie de vida
adormecida.
Na secura do exílio da babilônia,
certamente, o povo entendeu a mensagem: Deus, de fato, não nos abandonou... Nós é que abandonamos sua
palavra. Palavra abandonada é como ausência de chuva. Por isso, tudo parece
ressequido em torno de nós...
A Palavra de Deus tem poder de
transformação. Ela é capaz de ajeitar nossas peças interiores e colocar em
ordem nossos abismos. Sem ela, somos como terra seca incapaz de geração de
vida. Observar a palavra é encontrar a direção do oriente, ou seja, a
orientação para nossas vidas. Talvez, a maluquice de nosso tempo se explique
pelo abandono da Palavra. Ela continua tendo a eficiência da chuva. Mas, de
nada adianta uma chuvinha fresca para quem está encapado o tempo todo...