Odres novos

No tempo de Jesus não havia garrafas Pets. Os frascos para transportes de líquidos e mantimentos eram bem diferentes daqueles que temos ...


No tempo de Jesus não havia garrafas Pets. Os frascos para transportes de líquidos e mantimentos eram bem diferentes daqueles que temos hoje. Refiro-me, às garrafas pets, porque elas acabam nos servindo para armazenar líquidos, sementes e outras coisas. Nesse caso, a gente dá uma segunda utilidade para as mesmas. Mas, cada tempo arruma seu jeito e tem suas soluções. Os "odres", no mundo antigo, foram muito úteis para todos. Era uma espécie de "garrafa" ou "pote" feito com couro de boi ou ovelha. Tirava-se o couro da ovelha e, depois de prepará-lo, costurava-o, formando com ele um recipiente muito útil para guardar vinho e outros líquidos. Mas, o vinho novo costumava fermentar. Então, teria que ser armazenado em odres novos que ainda podiam ser esticados. Caso contrário, poderiam  rasgar os odres e causar prejuízos. O vinho novo, portanto, nunca deveria ser colocado em odres velhos...

Jesus é a grande novidade tanto naquele tempo quanto hoje. O Evangelho é chamado de "Boa Nova", pela sua capacidade de renovação das pessoas. Mas, para aceitar essa boa nova é preciso deixar o "homem velho" para trás. Em outras palavras é preciso conversão. Converter é deixar para trás o homem velho, ou seja, o homem marcado pelo pecado. A velha sinagoga, presa às leis antigas, inclusive a lei do jejum era incapaz de absorver a nova lei inaugurada por Jesus. Essa renovação foi difícil até para os apóstolos e, quem sabe para cada um de nós... Hoje ainda, o Espirito de Deus faz novas todas as coisas! 

Entre o velho e o novo a humanidade oscila. Alguns preferem o velho. Preferem a velha maneira de pensar e agir; os velhos esquemas; os odres velhos... Outros preferem sempre as novidades e andam ansiosos por verem a última moda; as novas tendências; as inovações tecnológicas e tudo o que lhes soa como vinho novo.  Às vezes, não conseguem distinguir quando o velho lhes aparece travestido de novo. E isso costuma acontecer com bastante frequência.  Por trás, de uma aparente modernidade, às vezes, se esconde os arcaísmos do passado. Nesse e em outros assuntos, como seria bom lembrarmos Aristóteles  afirmando que a virtude está sempre situada entre dois extremos. Os extremos costumam ser perigosos e alguns pagam caro, pelo extremismo.

Numa religião antiga como o Judaísmo o pensamento de Jesus soou como uma grande novidade. Seu ensinamento era tão novo que não conseguiram absorvê-lo. Viam que ele “ensinava com autoridade”, diferentemente dos mestres de então, que buscavam de forma recorrente, fundamentar em outros, o que ensinavam. Num universo de verdades cristalizadas e com pretensões de eternidade  não é fácil  absorver os ventos novos soprados  pelo Espírito de Deus.

Certa vez, ao visitar Nazaré, sua terra, e depois de ensinar na sinagoga, muitos judeus ficaram escandalizados com os ensinamentos do Mestre. Tudo o que ouviam de Jesus soava-lhes diferente dos ensinamentos oficiais. Então, preferiram descredenciá-lo. Para isso, criaram um rótulo: - Ele é o filho do carpinteiro! Era como se dissessem: - Dele a gente não pode esperar coisa alguma! Afinal, ele não estudou com nenhum grande mestre, não fez doutorado em Roma, não tem titulação... Então, seu ensinamento não pode vir de Deus! Num outro momento seus parentes chegaram a pensar que ele estivesse fraco do juízo. Alguns, que se beneficiavam das  velhas tradições chegaram a acusá-lo de endemoniado!

O Evangelho afirma que Jesus ficou admirado ao ver a falta de fé de seus conterrâneos. Como seria bom se fosse ao contrário! Mas os conterrâneos de Jesus estavam próximos demais da floresta e por isso não conseguiam admirá-la. Não perceberam a santidade de José e de Maria. Certamente, trataram a Sagrada Família até com certo desdém. Quem liga muito para gente pobre, não é mesmo? Corremos o risco de nunca ver a grandeza das pessoas quando estamos perto delas! Quantos artistas só ficaram famosos depois de mortos?

Diante daquela situação vivida na sinagoga de Nazaré, Jesus citou-lhes, um provérbio conhecido: - Nenhum profeta é estimado em sua terra. Agindo assim, ele se colocou na linha dos grandes profetas de Israel que, ao seu tempo, também foram rejeitados e perseguidos. Hoje, corremos o mesmo risco dos conterrâneos de Jesus, ou seja, não perceber a grandeza das pessoas que nos rodeiam ou dos momentos que vivemos. Quantas vezes precisamos perder uma pessoa amada para só depois reconhecer suas virtudes? Embriagado pelas novidades uma pessoa desiste de um casamento de vinte anos. Só depois de um tempo reconhece que o parceiro ou a parceira, de fato, era melhor que todas as novidades...

Talvez, os conterrâneos de Jesus esperassem um Deus forte, que viesse sobre as nuvens atirando raios nos inimigos... Quanta decepção tiveram  ao ver que Jesus era humano demais para assumir esse papel! Ele não tinha dinheiro, riquezas ou exércitos. Andava com pessoas simples que nunca apareciam nas colunas sociais daquele tempo. Perceber um Deus humano, com pés descalços  e que não fazia milagres sob encomenda, isso de fato, eles não conseguiam digerir. A humanidade de Jesus, infelizmente, foi – e  continua sendo – um empecilho para que o reconheçamos como o Nosso Senhor. Essa boa nova era surpreendente demais para ser acolhida por quem já estava formatado nos velhos esquemas daquele tempo. E hoje? –Será que acolhemos bem essa boa nova de Jesus ou buscamos sempre algo que caiba apenas nas nossas medidas? Você se parece com o pote velho incapaz de guardar o vinho novo, ou seja, a boa nova do Evangelho? Pense nisso!

Imagem de Hans Braxmeier por Pixabay 

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  1. Que bela reflexão, que sabedoria que conduz. Fiz uma primeira leitura, agora, dar um mergulho fundo nestas palavras e voltar à superfície transformado. Deus seja louvado nestas sábias palavras.

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  2. Padre Geraldo contribuindo muito com casa um de nós , transmitido seus conhecimentos .
    Gratidão

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  3. Reflexão profunda:viajei... consegui ver Jesus ensinando com autoridade na sinagoga e os seus conterrâneos o criticando. Não conseguiam ver e acolher a Boa Nova que estava diante deles. Dois mil anos se passaram e o homem não mudou muito. Que saibamos acolher Jesus e seus ensinamentos para sermos homens novos.

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  4. Que Deus nos conceda a graça de estarmos bem atentos para reconhecermos em cada irmão um filho de Deus. E reconhecermos que o próprio Deus está conosco em todos os momentos de nossa vida.

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  5. Muito obrigada padre Gabriel faz nos interiorizar profundamente!

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  6. Essa é a catequese que precisamos ter. Precisamos muito de fazer essa reflexão: será que acolhemos bem a boa nova de Jesus ou buscamos somente o que cabe nas nossas medidas???Obrigada Padre Geraldo.

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