Saudade...

  Não sou um idoso, embora me sinta assim, de vez em quando. Já andei muita estrada e vi muita água correr debaixo da ponte... Às vezes, a ...

 

Não sou um idoso, embora me sinta assim, de vez em quando. Já andei muita estrada e vi muita água correr debaixo da ponte... Às vezes, a saudade se ocupa de mim e me faz viajar em direção ao meu passado. Paro na infância. Em minha memória sons, perfumes e cores se misturam. Ainda posso sentir um cheirinho gostoso da gordura rançosa que meu pai usava quando a gente ia capinar o arroz.  Aquela comida mexida em panela de ferro era um verdadeiro banquete seguido de um café preto que meu pai chamava de “moca”. Até hoje não sei o motivo desse nome. Mas, “o moca” do meio dia sempre foi muito esperado. Não sei se trabalhava ou atrapalhava meu pai. De qualquer jeito, tomava parte da comida e da água da cabaça. Para meu porte pequeno achava tudo grande demais! As “bêcas” do arrozal eram compridas que não acabavam mais. O cheiro ferido do mentrasto do brejo, voluptuosamente, me invadia as narinas, juntamente, com a fumaça das “coivaras”, um misto de terra e ramos secos que, ardiam, na fogueira.           

Dificuldades na vida, eu sempre tive. Mas, criança não tem a exata medida dessas coisas. Achava a vida uma festa! Às vezes, tinha que ir à cidade em companhia da “Lica”, minha irmã. Como sempre, ia montado na garupa da égua “Lazan”. Também nunca soube a razão desse nome. Mas, sabia que o animal era da família e esse era um nome distinto. Além da égua Lazan, tínhamos outros animais que pertenciam à família. Lembro-me bem, do cachorro “valente”, do “campeiro” e da “minerva”, uma cadela amarela com nome de deusa.           

Sou formado por cores, cheiros e sons. Trago bem guardado o cheiro bom do arroz, socado no pilão de casa, e refogado com alho e gordura de porco. Esse cheiro, apesar da distância que me separa da infância, ainda me faz salivar...           

Quanto aos sons, foram tantos que me marcaram!  Todos me põem de volta ao passado. Mas, nenhum me arrasta mais, que o canto das galinhas "botadeiras" e das cigarras. As cigarras formavam dois grupos: O grupo das  que cantavam, ao meio do dia, dava um tédio imenso em qualquer cristão! O outro, que cantava à tarde despertava a nossa admiração. Eram cantoras de classe e cachê  bem distintos! E as canções de ninar? Eu também me desfrutei disso. Diga-me se você já se esqueceu desses momentos de glória?           

Muitas cores também me marcaram: O branco leitoso dos jasmins, o verde pálido dos alecrins do campo, o amarelo desbotado das macelas do brejo e o amarelo-ouro dos ipês.  Deus é prova que sou um misto de tudo isso! Uma soma de amanhecer com gosto de gabirobas maduras; uma coleção de entardecer com cigarras e goteiras de chuvas. Hoje, sou isso, que você vê: Tomei emprestado da vida as peças que me formaram. Minha vida é uma graça de Deus e hoje vivo  para agradecer. Agradeço, inclusive você que acabou de ler esse texto!

Imagem de obspred por Pixabay 

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  1. Como não vivenciar algo familiar lendo esse belo texto, também sou formado por tudo isso.
    A gabiroba madura é algo que meu pai sempre colhe no fim do ano, como esquecer o cheiro e o gosto.

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  2. Émuito bacana o que nos faz relembrar! Saudades mesmo.

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  3. Padre Gabriel,o senhor não sabe mas hj pra mim ,é um dia de SAUDADE mesmo!!!!É o aniversário de minha mãe amada!!Eu digo É.porque ela vive no céu,e. não existe celebração mais linda do que uma Festa no céu!!!
    No seu texto ,voltei ao passado,embora não tenha vivido a riqueza de sua infância,trago comigo bem guardados,o cheiro do arroz refogado no alho,o perfume dos jambos e jasmins e as cores do Jasmim manga e suas lagartas tão lindas qto as flores!!
    Tudo isto me foi dado de presente de Deus e hj,assim como o senhor disse tão lindamente em sua crônica,restou_nos uma Saudade imensa!!!!!!

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  4. .."Não sou um idoso, embora me sinta assim, de vez em quando. Já andei muita estrada e vi muita água correr debaixo da ponte..."

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