Nossa Senhora Aparecida: Santa que surgiu nos braços do povo

 

O nome dele era Pedro Miguel de Almeida Portugal. No Brasil, ficou conhecido como “Conde de Assumar”. Só depois de combater, por quase dez anos, na Guerra de Sucessão, na Espanha, que ele mereceu o posto de general de batalhas e a confiança do rei dom João V, para assumir um cargo importante e aumentar a arrecadação de ouro no Brasil. O Brasil naquele tempo (só naquele tempo?) era visto como lugar a ser explorado. 

Pouca gente sabe, mas a expressão "O Quinto dos Infernos", usada quando alguém quer amaldiçoar uma pessoa, mandando-a pessoa para longe, ou para se referir a um lugar remoto, começou a ser usada em Portugal para se referir ao Brasil. E ao contrário do que muitos imaginam, não tem relação com o inferno. Sua origem é o imposto de 20% (ou a quinta parte) do peso do ouro, cobrado no século 18 das cidades mineradoras do Brasil Colônia. O apetite fiscal da coroa era tão grande quanto a dificuldade em quitar suas dívidas com a Inglaterra. Portugal pouco produzia além de vinhos e quinquilharias. Comprava dos britânicos quase tudo o que consumia.  Durante o seu governo,  sobre a região das minas, o rei de Portugal chegou a receber, num único ano, mais de 25 toneladas de ouro! (1)

O Conde de Assumar, homem sanguinário e ambicioso recebeu, do rei Dom João V, o governo da recém-criada, Capitania de São Paulo e das Minas de Ouro; um território que compreendia os atuais Estados de São Paulo, Minas, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso e Goiás. Sua missão era extrair o máximo de ouro dessas terras e garantir que um quinto desse ouro, chegasse à coroa portuguesa. Nessa missão, ele podia fazer de tudo, inclusive, expulsar os padres jesuítas aos quais ele não via com bons olhos.

Pedro de Almeida Portugal depois que chegou ao Rio de Janeiro, dirigiu-se, logo, para o interior do Brasil. No dia 24 de julho de 1717 partiu do Rio d Janeiro com sua enorme comitiva ( oficiais militares, assistentes, escravos e um cronista que deixou-nos, por escrito, os acontecimentos da viagem) em direção às terras que iria governar.  De acordo com relatos do cronista, em alguns lugares o “Conde de Assumar” não ganhou nem um punhado de farinha dos senhores de engenho... Na fazenda dos padres jesuítas, conhecida pelo nome de "Santa Cruz", situada a oeste do Rio de Janeiro, os padres não permitiram que o cozinheiro da expedição entrasse na cozinha deles... Em agosto o mau tempo obrigou a comitiva do governador a passar cinco dias numa “vila miserável” com moradores preguiçosos.  Nessa vila comeram leitões e as galinhas oferecidos por um dos poucos ricos do lugar.

Os presentes para o governador foram aumentando à medida que sua comitiva aproximava-se de São Paulo. Na Vila de Santos, chegou a ganhar alguns cavalos... Chegando em São Paulo o cronista registrou a falta de “estilo” daquele povo: Eles vinham tão ridículos, cada um por seu modo, porque havia casacas verdes com botões encarnados, outras azuis agaloadas por uma forma nunca vista, e finalmente todas extravagantes...

A recepção do governador teve que ser numa Igreja porque o salão da Câmara de São Paulo, era muito pequeno. Foi na Igreja que ele comparou o rei de Portugal ao Deus vivo e se vangloriou de obedecê-lo, cegamente. Somente por isso, aceitou a "nobre missão" em terra de gente tão imbecil... Sua posse na Vila de São Paulo foi, apenas, o começo da missão pois, ele seguiria até Vila Rica (atual Ouro Preto) , para governar com armas na mão.

No dia 27 de setembro de 1717, o Governador partiu de São Paulo em direção à Vila Rica. Ainda no início da viagem, passou por uma aldeia de Índios que o recebeu com danças e festas. Numa dessas noites, jantou "meio macaco com formigas cozidas", o que lhe rendeu grande indisposição intestinal. Após esse incidente, dirigiu-se, rumo a Taubaté e em seguida para Guaratinguetá. Na Vila de Guaratinguetá, esperava-o, um grande banquete com muitas variedades de peixes do Rio Paraíba do Sul e frutos da Terra.

Foi, exatamente, nesse contexto, que a Imagem de Aparecida foi "pescada" por três pobres pescadores, encarregados, de prover peixes a mesa dos grandes. Sobre isso, falaremos mais adiante. Continuemos mais um pouco com a “Odisséia” do Conde de Assumar rumo à Minas Gerais.

Em Vila Rica o Governador encontrou um povo que não engolia qualquer imposição da coroa portuguesa que lhe parecesse injusta. Um grupo de revoltosos incentivava o povo a não aceitar o ,constante, aumento dos impostos pela coroa. O Governador disse ao povo que aceitava negociar com os revoltosos as condições dos impostos. Após reunir os líderes do grupo mandou prender a todos e encaminhá-los para a morte. Um dos líderes chamado Filipe dos Santos teve as pernas e braços amarrados em quatro cavalos bravos. Seu corpo foi dilacerado quando os cavalos partiram à galope em direções opostas... 

A pequena imagem de Aparecida  foi encontrada no Rio Paraíba em 1717, por três pescadores pobres: Domingos Martins Garcia, João Alves e Felipe Pedroso. A pescaria aconteceu por ocasião da visita do Governador, Pedro de Almeida Portugal,  o tal “Conde de Assumar” à Vila de Guaratinguetá. Próximo ao Porto Itaguaçu, João Alves jogou a rede de pesca e trouxe de volta o corpo escuro de uma escultura sem cabeça. Um pouco mais adiante tirou, na mesma rede, a cabeça da imagem. Aquele pescador  enrolou, num pano, a imagem e colocou-a, no seu  barco. Após o encontro da imagem sua pescaria rendeu tantos peixes que mal cabiam no barco... E foi aí que começou a história da devoção à Nossa Senhora Aparecida!

O nome “Paraíba” é de origem indígena. “Para”, na língua tupi quer dizer “rio” e “aiba”, imprestável, ruim... Vejam como são os planos de Deus! Nas águas imprestáveis, onde os pescadores pobres tentavam arrancar os peixes para o banquete dos ricos, encontraram o corpo da Mãe de Jesus. Nazaré também era um lugar considerado “imprestável” no tempo de Jesus. Foi nesse lugar “imprestável” que Deus escolheu uma mulher para, com ela, mudar a história do mundo. Maria nos lembra de que o Senhor exaltou os pobres e humildes e despediu os ricos de mãos vazias. O Conde de Assumar, não nos deixou nada, além de triste lembrança. Mas, aqueles pescadores pobres deixaram-nos, em herança, a imagem daquela, que seria consagrada, “Rainha e padroeira do Brasil”.

Nossa Senhora Aparecida tem a cara do povo brasileiro. É baixa, negra e carrega flores no cabelo. No rosto, esboça um sorriso discreto, como quem diz: Estamos juntos! Ela não surgiu no rio, com manto e coroa. Tudo isso foi presente do povo. Antes de ser proclamada “rainha” já era chamada de “Nossa Senhora”. De fato, é a senhora de todos nós. É nossa mãe preta que, além do rosário, carrega nas mãos ,todo o povo brasileiro! Nossa Senhora do Brasil, rogai por nós!

1- https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/origem-expressao-quinto-dos-infernos.phtml - Consulta em 11/10/2024.

Obs: As informações contidas nesse texto foram tiradas do livro, “Aparecida”, de Rodrigo Alvarez, Globo Livros, 2014.

Imagem de carlitocanhadas por Pixabay