A poesia perigosa de Neruda

  Para muita gente, poesia é coisa que se aprende quando criança e que só serve para brincar com as palavras, encaixotando-as, num texto par...

 


Para muita gente, poesia é coisa que se aprende quando criança e que só serve para brincar com as palavras, encaixotando-as, num texto para garantir uma boa rima. Mas, a poesia pode também ser perigosa. Ela pode ser perigosa quando canta as dores e os dilemas dos povos.

Pablo Neruda em seu livro “Confesso que vivi,” afirma que quando esteve na Guatemala recitou sua poesia sem saber que havia quatro metralhadoras apontadas para ele.

“Os poetas jovens pediram um recital de minha poesia. Enviaram um telegrama a Ubico (*) solicitando a autorização. Todos os meus amigos e os jovens estudantes enchiam o local. Li com gosto meus poemas porque me parecia que entreabriam a janela daquela prisão tão vasta. O chefe de polícia sentou-se conspicuamente na primeira fila. Logo soube que quatro metralhadoras estavam apontadas para mim e para o público e que funcionariam caso o chefe de polícia abandonasse ostensivamente sua poltrona e interrompesse o recital.”

Apesar da censura severa, nada aconteceu ao poeta. Ao final da apresentação quiseram apresentá-lo ao ditador, mas ele acabou se esquivando e voltando para o México. Esse General Ubico, pelo visto, tinha profunda admiração por Napoleão Bonaparte e procurava imitar até o seu jeito de organizar o cabelo. Como ditador procurava controlar tudo, inclusive o livre direito de expressão.

Ninguém cantou tão bem o amor como Pablo Neruda e falou tão bonito sobre as mulheres quanto ele. Mas, sua poesia não fala só de amor. Ela fala também dos pobres e excluídos de todo o mundo. Certa vez, quando visitava uma mineração, ouviu de uma pessoa simples a seguinte frase: Eu já o conheço há muito tempo, meu irmão! Mas, como isso poderia ser possível? Como um homem que vivia um “inferno em vida” poderia conhecê-lo e amar a sua poesia? Esse fato ocorreu em 1945 na salitreira de Lota:

 “Cheguei, através de uma dura lição de estética e de busca, através dos labirintos da palavra escrita, a ser poeta de meu povo. Meu prêmio é esse, não os livros e os poemas traduzidos ou os livros escritos para descrever ou dissecar minhas palavras. Meu premio é esse momento grave de minha vida, quando no fundo da mina de carvão de Lota, sob o sol a pino da salitreira abrasada, do socavão a pique subiu um homem como se ascendesse do inferno, com a cara transformada pelo trabalho terrível, com os olhos avermelhados pelo pó e, estendendo-me a mão calejada, essa mão que leva o mapa do pampa em suas calosidades e em suas rugas, disse-me com olhos brilhantes: ‘Eu o conhecia há muito tempo meu irmão’. ESSE É O LAUREL DE MINHA POESIA, O AGULHEIRO NO PAMPA TERRÍVEL, DE ONDE SAIU UM TRABALHDOR A QUEM O VENTO E A NOITE E AS ESTRELAS DO CHILE TÊM DITO MUITAS VEZES: VOCÊ NÃO ESTÁ SÓ. HÁ UM POETA QUE PENSA EM SEU SOFRIMENTO”.

Um poeta que pensa nos deserdados da história pode se transformar num homem perigoso. Neruda fez uma poesia pé no chão. Falando do “enciclopedismo” de alguns poetas europeus ele disse:

Não me lembro se foi em Paris ou em Praga que me sobreveio uma pequena dúvida sobre o enciclopedismo de meus amigos aí presentes. Quase todos eles eram escritores ou, no mínimo estudantes.  – Estamos falando muito no Chile – disse-lhes – seguramente, porque eu sou chileno. Mas, vocês sabem alguma coisa de meu longínquo país? Por exemplo: Em que veículos nos transportamos? De elefante, de automóvel, de trem, de avião, de bicicleta, de camelo, de trenó? – A resposta muito a sério da maioria foi: - De elefante!

No Chile não há elefantes nem camelos. Mas compreendo que pareça enigmático um país que nasce no gelado polo sul e que chega até as depressões salgadas e desertas onde não chove há um século. Tive que percorrer esses desertos durante anos como senador eleito pelos habitantes daqueles ermos, como representante de inumeráveis trabalhadores do salitre e do cobre que nunca usaram colarinho nem gravata.

A poeira da estrada, o soluço dos pobres, o encanto das mulheres, os segredos do mar e o cheiro da terra foram os ingredientes da poesia de Pablo Neruda. Talvez por isso, sua poesia tornou-se eterna. Em seus textos ele contempla algo mais do que perfumaria...

 

·        * Jorge Ubico Castañeda – Foi um militar e político guatemalteco, que governou o país de forma ditatorial entre 1931 a 1944.

·        As citações acima foram todas tiradas do Livro de Pablo Neruda: Confesso que Vivi.

Imagem de Amber Clay por Pixabay 

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  1. ..."Um poeta que pensa nos deserdados da história pode se transformar num homem perigoso. Neruda fez uma poesia pé no chão."...
    Talvez seja por isso que se tornou imortal pra muita gente!

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  2. ..."A poeira da estrada, o soluço dos pobres, o encanto das mulheres, os segredos do mar e o cheiro da terra foram os ingredientes da poesia de Pablo Neruda. Talvez por isso, sua poesia tornou-se eterna. Em seus textos ele contempla algo mais do que perfumaria...

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  3. Pablo Neruda é ótimo. belos comentários Padre e boas reflexões.

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  4. .."Para muita gente, poesia é coisa que se aprende quando criança e que só serve para brincar com as palavras, encaixotando-as, num texto para garantir uma boa rima. Mas, a poesia pode também ser perigosa. Ela pode ser perigosa quando canta as dores e os dilemas dos povos. "..

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  5. .."ESSE É O LAUREL DE MINHA POESIA, O AGULHEIRO NO PAMPA TERRÍVEL, DE ONDE SAIU UM TRABALHDOR A QUEM O VENTO E A NOITE E AS ESTRELAS DO CHILE TÊM DITO MUITAS VEZES: VOCÊ NÃO ESTÁ SÓ. HÁ UM POETA QUE PENSA EM SEU SOFRIMENTO”.."..

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