Neruda: Os desafios antes da fama
Antes de tomar conhecimento da vida de uma pessoa famosa a gente pensa que tudo foi muito fácil na vida dela. Para Neruda não foi bem as...

Antes de tomar conhecimento da vida de uma pessoa famosa a gente pensa que tudo foi muito fácil na vida dela. Para Neruda não foi bem assim. Sua família era pobre e ele enfrentou muitas dificuldades para estudar, para viver na cidade e para publicar seus primeiros livros. Ele mesmo afirma isso no livro, “Confesso que Vivi”, quando falou de sua chegada à capital e sua permanência lá.
“Eu deixei para trás a minha terra levei apenas um baú de folha de flandres
só com o indispensável traje negro de poeta delgadíssimo e afilado como uma
faca. Entrei na terceira classe do trem noturno que levava um dia e uma noite
intermináveis para chegar à Santiago.”
Diversas vezes ele havia viajado
naquele trem, sentido o cheiro do seu povo, das flores e das chuvas. De sua
janela podia contemplar as casas de adobe que pareciam cheias de teias de
aranha. Ia para a cidade grande, mas continuava a ser um “poeta do céu aberto e da selva fria que perdia”.
Chegando à capital, jovem pobre e tímido procurou um quarto de pensão para se hospedar. “A vida daqueles anos na pensão de estudantes era de fome completa. Escrevi muito mais do que até então, mas, comi muito menos”.
Essa dificuldade era partilhada com outros jovens de condição semelhantes à sua que também tentavam a sorte na cidade grande. Alguns, de seus colegas poetas, sucumbiram na pobreza! Certa ocasião, ele e seu colega “Romeo Murga” se aventuraram pelas ruas de Santiago em busca de reconhecimento. Fizeram uma apresentação pública declamando suas poesias numa festa. Mas, ambos foram vaiados e, de forma muito triste, o pessoal começou a gritar com eles: Poetas famintos, fora! -Não estraguem nossa festa!
Depois de passar um tempo na pensão, Neruda procurou uma segunda pousada para ficar. Nesse local, ficou muito impressionado com uma frase escrita na parede em diversos pontos da casa. A frase dizia:- Conforme-se! Você não pode se comunicar conosco. Você está morta! Essa pousada pertencia a um viúvo. Ele perdera a esposa havia pouco tempo e, explicou: - Alguns mortos não compreendem que morreram e continuam frequentando a casa! Por isso, escrevi aquela frase em diversos pontos da casa. Assim, a falecida, caso estivesse por ali, entenderia mais fácil sua condição de morta.
Neruda saiu também desse local porque sentiu que o dono da pousada invadia sua privacidade. Às vezes, mexia em suas coisas e ele não gostava disso. Procurou então, um novo local para morar e acabou encontrando-o nas proximidades em uma lavanderia. Nessa ocasião conheceu uma viúva sobre a qual disse:
“Por aqueles dias fiz amizade inesperada com uma viúva indelével, de olhos azuis que se velavam ternamente na lembrança de seu recém falecido marido. Este havia sido um jovem novelista, célebre por seu belo porte. Juntos faziam um par memorável, ela com sua cabeleira cor de trigo, o corpo perfeito e os olhos ultramarinos, e ele muito alto e Atlético. O novelista havia sido aniquilado por uma tuberculose das que chamamos galopantes. Depois pensei que a loura companheira deve ter tido também sua participação de Vênus galopante e que a época pré-penicilina, mais a loura fogosa, levaram deste mundo o marido monumental num par de meses”.
Com essa viúva acabou tendo um relacionamento ardente. Mas, sua desnutrição não combinava com aquelas dosagens de amor...
Na capital, Neruda fez poucos
amigos por causa de sua timidez. Também não tinha muita curiosidade pelo ser
humano. Faltava-lhe coragem de se aproximar das pessoas e até roupas lhe
faltavam: “Além do que, eu vestia uma
longa capa espanhola que me fazia aparecer um espantalho. Ninguém suspeitava de
que minha vistosa indumentária era diretamente produzida pela minha pobreza”.
Foi num quarto de pensão, em Santiago que nasceu seu primeiro livro, o “Crepusculário”. Esse nome se deve aos muitos crepúsculos que presenciou morando na pensão da Rua Maruri, 513. Escrevia de dois a cinco poemas por dia. Não perdia nenhum cair de tarde, pois aquele era um espetáculo diário. “Era o poente com grandiosos esbanjamentos de cores, distribuição de luz, leques imensos de alaranjado e escarlate”. O capítulo central do livro chama-se “Crepusculário”, por causa disso. Leia uma estrofe do poema do capitulo, chamado “Dá-me a festa mágica”:
Deus – e de onde é que tiras para acender o céu
Este maravilhoso entardecer de cobre?
Por ele soube encontrar de novo a alegria,
E a má visão eu soube torná-la mais nobre.
Ainda sobre o seu primeiro livro publicado Neruda nos diz:
“Em 1923 foi publicado meu primeiro livro: Crepusculário. Para pagar a
impressão tive dificuldades e vitórias a cada dia. Vendi meus poucos móveis. Na casa de penhores foi parar rapidamente o
relógio que solenemente me tinha presenteado meu pai, relógio em que ele tinha
mandado pintar duas bandeirinhas entrelaçadas. O relógio foi seguido pelo meu
traje negro de poeta”.
Viver na capital e sonhar com a poesia não foi nada fácil. Sem dinheiro, sem fama ou reconhecimento ele teve que vender os direitos do primeiro livro.
“Nós os poetas sempre pensamos ter grandes ideias para ficarmos ricos,
e que somos gênios para projetar negócios, ainda que gênios incompreendidos. Lembro
que impelido por uma dessas combinações fluorescentes, vendi a meu editor no
Chile, em 1924, a propriedade de meu livro Crepusculário, não para uma edição,
mas para a eternidade. Acreditei que ia enriquecer com essa venda e assinei o
contrato no tabelião.”
Quem diria que esse poeta que teve que vender a própria roupa do corpo para publicar o seu primeiro livro fosse, um dia, galgar os mais altos degraus da fama? A vida é assim. Em cada curva uma surpresa. Neruda é um dos maiores poetas que a humanidade irá conhecer. Sua poesia, fala de sua terra, de seu povo, das flores, do mar e da primavera. Não podia ser diferente para quem teve uma história de vida tão rica e desafiadora!
Obs: As citações desse texto foram todas tiradas do livro: Confesso que
Vivi, de Pablo Neruda.
Imagem de S. Hermann & F. Richter por Pixabay
As dificuldades nos fazem crescer!!!
ResponderExcluirPena que muitos só querem o bônus, mas sem o ônus!!!
Um filme sobre o Chile da década de 1970, muito bom é Machuca...
Que maravilha a vida desse poeta. PARABÉNS
ResponderExcluirUm olhar crítico e sábio das coisas simples que nos rodeiam, como assistir o carteiro e o poeta e não querer saber mais da história de Pablo Neruda. Realmente impressionante o amor pelo que fazia em cada parágrafo. Obrigado por lembrar este grande poeta escritor.
ResponderExcluirParabéns
O texto deixa uma grande lição, nunca julgue uma conquista alheia, ao menos que tenha percorrido os caminhos de pedras que ele percorreu!!!
ResponderExcluirMts vezes pra se ganhar a fama tem q pagar um alto preço e não vem de mal beijada...
ResponderExcluirQue história bonita de perseverança e superação. Serve-nos de exemplo a seguir. Uma pessoa que perseguiu seu sonho de compartilhar seus dons mesmo lhe custando muito.
ResponderExcluirGrande lição
ResponderExcluirGrande conteúdo.
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