Pablo Neruda: Uma mensagem atual
Estamos assistindo com perplexidade, o crescimento de uma espécie de “apartheid” social que cresce em nosso meio. A humanidade, se é que ain...

Estamos assistindo com perplexidade, o crescimento de uma espécie de “apartheid” social que cresce em nosso meio. A humanidade, se é que ainda podemos usar essa expressão, me parece cada vez mais dividida entre brancos e negros, ricos e pobres, nacionais e imigrantes, e por aí se vai... As pessoas estão se distanciando umas das outras por questões religiosas, ideológicas, políticas... Os nacionalismos ressurgem, juntamente, com a intolerância crescente de alguns grupos. O homem foi à lua e está prestes a conquistar outros planetas. Apesar disso, nunca estivemos tão distantes uns dos outros!
Lendo o livro “Confesso que vivi”, de Pablo Neruda, poeta chileno, encontrei uma passagem extremamente, atual apesar de publicada em 1974, ano posterior à sua morte. A título de curiosidade é bom saber que, naquela época o livro foi proibido no Chile. Apesar da censura, alguns exemplares surgiram naquele país. Escondido dentro de uma falsa capa de outro livro de Jorge Amado - Tereza Batista Cansada de Guerra - Confesso que Vivi acabou sendo divulgado, clandestinamente, no Chile.
O trecho que vou transcrever nasceu após algumas decepções do poeta com dois sacerdotes. O primeiro não aceitou que ele fosse padrinho de batismo do filho de sua empregada. O segundo, que era dono de um jornal se recusou a publicar um texto do poeta homenageando uma pessoa do povo. As alegações eram sempre as mesmas: Ele é comunista! Ele não está em comunhão com a Igreja... Eis o texto:
Quero viver num mundo sem excomungados. Não excomungarei ninguém. Não
diria amanhã a esse sacerdote: “O senhor não pode batizar ninguém porque é
anticomunista”. Não diria a outro: “Não publicarei seu poema, sua criação,
porque o senhor é anticomunista”. Quero viver num mundo em que os seres sejam
somente humanos, sem outros títulos a não ser estes, sem serem golpeados na
cabeça com uma régua, com uma palavra, com um rótulo. Quero que se possa entrar
em todas as igrejas e em todas as gráficas. Quero que não haja mais ninguém
para esperar as pessoas na porta da prefeitura para detê-las e expulsá-las.
Quer que todos entrem e saiam do Palácio Municipal sorridentes. Não quero que
ninguém fuja de gôndola, que ninguém seja perseguido de motocicleta. Quero que
a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler, escutar,
florescer. Nunca entendi o rigor senão para que o rigor não exista. Tomei um
caminho porque acredito que esse caminho nos leva, a todos , a essa amabilidade
duradoura. Luto por essa bondade ubíqua(coletiva), extensa, inesgotável. De
tantos encontros entre minha poesia e a polícia, de todos esses episódios e de
outros que não contarei porque me repetiria, e de outros que não me
aconteceram, mas a muitos que já não poderão contá-los, fica-me, no entanto,
uma fé absoluta no destino humano, uma convicção cada vez mais consciente de
que nos aproximamos e uma grande ternura. Escrevo sabendo que sobre nossas
cabeças, sobre todas as cabeças, existe o perigo da bomba, da catástrofe
nuclear que não deixaria ninguém nem nada sobre a terra. Pois bem, isto não
altera minha esperança. Neste minuto crítico, neste pestanejar de agonia,
sabemos que entrará a luz definitiva pelos olhos entreabertos. Todos nos
entenderemos. Progrediremos juntos. E esta esperança é irrevogável...
Apesar de perseguido em diversos países por onde andou Neruda não era um guerrilheiro ou terrorista. Era poeta! Um poeta que cantava as belezas de sua pátria, das mulheres que conheceu do mar e dos pobres. Mas, em certas ocasiões, escrever é um exercício perigoso. Uma caneta pode ser tão ameaçadora quanto uma metralhadora. Ela revela os bastidores da alma humana e denuncia os crimes dos ditadores. O texto citado acima se parece a uma oração. Ele revela uma utopia, ou seja, uma sociedade mais humana onde alguns não tenham o direito de excluir os outros por causa de suas ideias e ideais.
Hoje vivemos num mundo vazio de sentido e de utopias. Talvez, por isso, muitos jovens são, facilmente, arrastados para as drogas e delinquências. Esse mundo fechado oculta de nós, os horizontes. Sem eles nossa embarcação navega à deriva. Não sabemos de onde viemos e nem onde queremos chegar. A vida se resume no instante presente. Roubaram de nós a capacidade de sonhar individualmente e mais ainda coletivamente. Por isso, é tão bom ouvir a voz de um poeta sonhador que nos confessa:
Quero que a grande maioria, a única maioria, todos, possam falar, ler,
escutar, florescer. Nunca entendi o rigor senão para que o rigor não exista.
Tomei um caminho porque acredito que esse caminho nos leva, a todos , a essa
amabilidade duradoura. Luto por essa bondade ubíqua(coletiva), extensa,
inesgotável...
Você seria capaz de sair de si mesmo para abraçar esse sonho coletivo de um mundo mais humano, mais fraterno e pacífico? – Então é sinal que nem tudo está perdido e que novos Pablos Nerudas virão por aí...
Imagem de Herbert Bieser por Pixabay
.." Você seria capaz de sair de si mesmo para abraçar esse sonho coletivo de um mundo mais humano, mais fraterno e pacífico? – Então é sinal que nem tudo está perdido e que novos Pablos Nerudas virão por aí...
ResponderExcluirPois é, em nosso meio temos o Padre Geraldo Gabriel, que com certeza é melhor que Neruda.
.."Você seria capaz de sair de si mesmo para abraçar esse sonho coletivo de um mundo mais humano, mais fraterno e pacífico? – Então é sinal que nem tudo está perdido e que novos Pablos Nerudas virão por aí...",,
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