No princípio era a Palavra...
No princípio era o Verbo... Assim começa o Evangelho de São João (Jo 1, 1-18). E o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus... Par...

No princípio era o Verbo... Assim começa o Evangelho de São
João (Jo 1, 1-18). E o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus...
Para nossa compreensão “Verbo”, foi traduzido por “Palavra”.
Mas, que Palavra é essa que, já no princípio, estava junto de Deus e era Deus? O
que é uma palavra senão um som que se perde em ondas no espaço? O que há de
mais imaterial do que a palavra?
É preciso compreender que, apesar de sua aparente fraqueza, a
palavra tem força. Ela pode ser geradora de morte e de vida. Deus criou o mundo
com dez palavras e o sustenta com dez palavras, ou seja, os dez mandamentos...
Talvez, a nossa palavra tenha mesmo perdido o valor. Algumas,
sobretudo, estão desgastadas e sem credibilidade. Outras se tornaram diluídas e
sem sentido. Na poesia “Ruína” de Manoel de Barros, ele diz que a palavra “amor”
foi esvaziada:
Um monge descabelado me
disse no caminho: “Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é
uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma
coisa que servisse para abrigar o abandono como as taperas abrigam. Porque o
abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também
de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser
também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma
palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro (O olho do monge estava
perto de ser um canto). Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está
quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a
palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um
monturo. E o monge se calou descabelado (1).
A “palavra amor está quase vazia”. De fato, a palavra corre
risco de se transformar em ruína. Talvez, melhor que dizer: “eu te amo” seria
dando demonstrações concretas desse amor. Deus nos deu provas concretas do seu
amor por nós. E a maior prova desse amor foi entregar o seu próprio filho à
morte, para nossa salvação.
Deus é o alfa e o ômega. O princípio e o fim de tudo. Mas, no
meio dessa linha de tempo Ele também atuou e atua. Atuou libertando o seu povo
do Egito, conferindo-lhe, os mandamentos, refazendo a aliança quebrada... Atua
através dos profetas e santos. Mas, o ponto mais alto de elevação da história
humana foi o nascimento de Jesus. Deus mesmo, em pessoa veio “habitar” entre
nós. Não veio com ameaças ou demonstrações de poder. Veio como “menino” para
desarmar os corações e nos ensinar os caminhos da inocência. Ninguém tem medo
de uma criança!
Agindo dessa maneira Deus nos pegou de surpresa. Subverteu
nossos esquemas mentais, pois sempre acreditamos em sua força e grandeza. Mas,
ele abriu mão dessa condição. “Reduziu-se”,
de tamanho, para se tornar igual a nós. Esvaziou-se, de si mesmo, para nos
elevar. Entrou na história para divinizá-la... Esperávamos um Deus que nos desce
demonstrações de força e grandeza e, no entanto, Ele nos veio frágil e carente.
Queríamos receber ordens, e Ele nos
pediu amor e acolhida...
Que Palavra é essa que se fez carne e habitou entre nós? É
palavra de amor, de coragem, de incentivo. Cristo é a Palavra. Ele não veio
apagar a chama que fumegava, mas soprar as brasas da esperança... Não veio para julgar ou condenar, mas para
salvar e redimir... Não veio para bater, mas para afagar... Não veio para
escurecer, mas para iluminar...
1- Manoel de Barros - “Poesia completa”
(pp. 385-86).
Imagem de Susanne Jutzeler, suju-foto por Pixabay