Religião, seita e filosofia de vida

 

Você sabe a diferença entre religião e seita? - Seita costuma ser a religião do outro...

Na rápida exposição acima já deu para entender que a palavra “seita” é carregada de preconceitos. Alguns poderiam dizer: - Seita é um novo grupo religioso que se separou de outro. Bom, então, nesse caso, o Cristianismo seria uma seita, pois ele separou-se do judaísmo... O Budismo também seria, pois nasceu do Hinduísmo... Outros ainda dizem:  - O que sigo não é religião. É filosofia de vida. Mas, o que seria “filosofia de vida”? Existe alguma religião que não tenha uma “filosofia de vida” como proposta?

Quando se nomeia de “seita” algum grupo religioso, normalmente, o faz para desmerecê-lo. O meu grupo religioso nunca é classificado como tal. A palavra “seita” (separação), no contexto religioso adquiriu uma conotação muito  negativa. Por isso, deve ser evitada. Todos os grupos denominados, erroneamente, de “seitas” deveriam ser vistos como religiões e pronto!

Mas, o que é uma religião? Compreender esse conceito é fácil. Mas, não é nada fácil defini-lo. Para Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polonês, “a religião pertence a uma família de curiosos e, às vezes, embaraçantes conceitos que a gente compreende perfeitamente até querer defini-los”. Pois é. Na hora de definir os conceitos é que a coisa fica complicada.

O que é necessário para se considerar que algo seja uma religião ou não? Ritos, doutrinas, comunidades? Toda religião tem, necessariamente uma filosofia de vida, ou uma proposta moral? Bem, deixemos claro, desde o início: Não existe uma definição única de religião que seja, universalmente, aceita! Uma definição mínima poderia ser essa: Religião é aquilo que as pessoas consideram religião...

Vamos apontar três hipóteses para a origem da palavra “religião”:

Primeira: O termo em português e em quase todas as línguas ocidentais tem sua origem em “religio”. Esse termo já era usado pelos romanos antes de Cristo para designar religião. O pensador Lactâncio (260 – 340) que era professor no Império Romano, afirmou que “religio” vem de “religare”, do latim. Nesse caso, a religião serve para juntar de novo aquilo que se separou, ou seja o homem e Deus. Santo Agostinho também usou a expressão nesse sentido. E para Agostinho, o Cristianismo era a única religião capaz de fazer essa religação do homem com Deus.

Antes disso, Cícero (101-43 a. C) disse que “religio” vinha de “relegere”, o que significa atuação com consideração, observância cuidadosa... Nesse sentido, religião significa “cuidadoso cultivo dos deuses”. O contrário de “relegere” é “neglegere” e quer dizer negligenciar. Par Cícero, portanto, religião era  uma atitude, um modo de ser, um cuidado com os deuses...

Segunda: Não sabemos exatamente qual é a origem da palavra religião. Por isso, não sabemos o seu significado original. A mais antiga explicação para sua origem está na obra, “De natura deorum” (Sobre a natureza dos deuses), de Cícero (106-43 a. C). Para ele o termo significa “ação cuidadosa”. Por isso afirma que religião é a “cuidadosa veneração dos deuses”. Naquele tempo havia muito cuidado e veneração pelos deuses da família. Hoje ainda as pessoas entendem por religioso o sujeito que tem algumas atitudes como piedade, amor ao próximo, bom comportamento moral... Nesse caso, ser religioso é ter atitudes, cultivar uma ética, um modo de ser virtuoso e não apenas cultivar um conjunto de crenças. Entende-se a religião não como instituição e sim como um modo de vida.

Terceira: O termo “religare” em latim significa amarrar de novo, ligar novamente ou ligar de volta, reatar. A compreensão do conceito religião como derivação de religare não é tão antiga e tem origem bastante localizada. Quem faz essa ligação é Lactâncio, um pensador cristão (Séc. III – IV). Para ele a religião leva de volta o homem para Deus. Lactâncio, naturalmente, está influenciado pela teologia judaica-cristã, segundo a qual, o homem precisa ser reconduzido a Deus após a quebra da aliança com Ele. Por causa do pecado, o homem foi expulso do paraíso e graças a Jesus Cristo, o novo Adão, o homem pode ser reconduzido a Deus.

A ligação do conceito “religião” com “religare”, para Lactâncio não se deve apenas a uma preocupação etimológica e sim teológica. Nessa ideia há dois elementos curiosos:

Há uma explicação funcionalista da religião, ou seja, a religião “serve” para alguma coisa, ela tem uma função;

Essa visão abriga ainda, o conceito de três tempos históricos: Um tempo inicial (princípio) onde o homem estava ligado a Deus; um tempo atual de rompimento do homem com Deus e um tempo futuro de religação do homem com Deus. Essa compreensão da história faz parte da visão de mudo de três grandes religiões: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo.

Na explicação do conceito, alguma coisa a gente pode perceber desde o início: A religião, não é só um conjunto de ensinamentos e doutrinas. Ela comporta também uma prática, um jeito de viver. A frase para coroar esse texto é tirada da Carta de São Tiago(Tg2, 14-17):

De que serve para alguém alegar que tem fé, se não tem obras? A fé que não vem acompanhada de obras está totalmente morta...

Imagem de msandersmusic por Pixabay 

Obs: Texto escrito baseado no livro: O Mundo Religioso, de Volney J. Berkenbrock. Petrópolis, RJ - Vozes, 2019.