Não matar é pouco

 

Alguns chegam para a confissão e dizem ao padre: - Só não matei e roubei. O resto eu fiz de tudo... Vamos analisar essa afirmação e ver o quanto ela pode ser mentirosa. Às vezes, a pessoa já matou, roubou e ainda por cima,  fez o resto...

O 5º Mandamento da Lei de Deus é claro: - Não matar! Esse mandamento está no centro do decálogo. A vida é fundamental. Qualquer forma de vida é fundamental. O povo de Deus, após longo período na escravidão e em contato com a morte, sabia o quanto era necessário defender e proteger a vida. Afinal, a vida do escravo não era considerada nem naquele tempo nem hoje, pois infelizmente, ainda temos pessoas vivendo em regime de escravidão! O mandamento é claro: - Não matar!

A partir desse mandamento central os outros nasceram: - Honrar os pais, pois eles são a origem da vida... Não cobiçar as coisas do outro, pois ele também tem o direito de aproveitar o que tem para sua vida... Não ter outros deuses, pois esses falsos deuses levam à morte...

Jesus explicou que existem muitas maneiras de matar. A negação da fraternidade é uma delas. Pois se falo mal, calunio e difamo o meu próximo já estou eliminando ele de dentro de mim. Nesse caso, o meu culto se tornará vazio. Não basta realçar um culto vazio, praticar um conjunto de rituais se minha relação com o outro está deteriorada. Se o outro está morto dentro de mim, então não estarei puro para fazer a minha oferta a Deus. É como se dentro de mim a coisa estivesse mal cheirosa... Por isso Jesus orientou-nos: Se o outro tem alguma coisa contra você, vai primeiro reconciliar-te com ele para depois participar do culto (Mt 5, 20-26)... Nesse caso, a fraternidade e o amor precedem a prática religiosa.

O Culto farisaico era um culto de aparência. Algo do tipo: “Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”. Mas, com pão bolorento, dentro de nós, nosso culto pode ficar mal cheiroso aos olhos de Deus.

Na passagem bíblica do bom samaritano (Lc 10, 33...) aprendemos que, primeiro, temos que praticar o amor para depois celebrarmos o nosso culto dignamente. O sacerdote e o levita foram condenados por terem deixado um homem ferido à beira do caminho por causa de suas tarefas no templo. O samaritano, que era mal visto pelos judeus, acabou dando melhor exemplo ao socorrer aquela vítima.

Para Jesus, deixar de matar é pouco. Às vezes, não matamos de fato. Mas, eliminamos as possibilidades de uma boa convivência. Isso é outra forma de matar o irmão dentro da gente. Quando falo mal de alguém, ou o prejudico de alguma maneira, de fato, estou matando aquela pessoa dentro de mim; quando destruo o meio ambiente ou prejudico qualquer forma de vida estou matando...

Existem também muitas maneiras de roubar. Quando falsifico documentos para receber auxílio do governo sem ter direito, estou roubando aquele recurso daqueles que mais precisam dele... Quando recebo troco errado e não devolvo estou me apropriando ilegalmente daquilo que não é meu... Quando faço “gato” na rede elétrica para não pagar o meu consumo de energia, também estou roubando de alguém... Os exemplos poderiam se multiplicar. Mas, acho que já deu para entender. Por isso, sugiro nunca dizer ao padre, antes da confissão, que “só não matou e roubou e o resto fez de tudo”, pois essa afirmação quase sempre é mentirosa...

Imagem de Roland Schwerdhöfer por Pixabay