Os Farricocos e a dança da morte

  No meu tempo de seminário fui convidado a ajudar numa Semana Santa em Marilândia, cidade próxima a Divinópolis. Ainda me lembro de certos ...

 


No meu tempo de seminário fui convidado a ajudar numa Semana Santa em Marilândia, cidade próxima a Divinópolis. Ainda me lembro de certos personagens, curiosos, que compareceram à procissão do enterro, na Sexta-feira da Paixão. Disseram-me, naquela época, tratar-se dos “Farricocos”. Foi a primeira vez, que os vi e nem sei se tais personagens ainda existem por lá. Vestidos de forma extravagantes eles dançavam durante a procissão do enterro, ignorando completamente o luto e a dor dos amigos de Jesus.  

O que vem a ser “Farricocos”? Essa palavra vem do Quimbundo, língua dos primeiros escravizados que chegaram ao Brasil, provenientes da África central. Farricocos são  personagens condutores da tumba ou esquife, nos enterros. São pregoeiros encapuzados que encabeçam as procissões simbolizando a morte (1).  Durante os cortejos fúnebres vão fazendo piruetas, gracejos ou danças que acabam assustando as crianças.

Durante alguns períodos medievais, sobretudo, em épocas de pestes e calamidades acreditavam-se que a morte fosse também uma personagem. Chegaram a representá-la, vestida de preto e com uma espécie de foice na mão. O Filme de Ingmar Bergman – 1957, chamado “O Sétimo Selo”, retrata bem essa realidade. Ele mostra a cruel situação da
Europa durante a peste negra quando a morte imperou desenfreadamente. Ainda que o ator do filme tentasse enganar a própria morte no fim ela sai vencedora e conduz uma grande equipe dançando montanha acima. Trata-se da dança da morte.

A dança da morte ou dança macabra tornou-se um gênero artístico do Séc XIV ao XVI. Ele falava sobre a universalidade da morte que, naquela época, imperou em muitas localidades. As constantes guerras e as pestes proporcionaram um verdadeiro baile à morte. A dança macabra chegou a ser pintada em muros e paredes de igrejas.

No início de 2020, em plena Avenida Paulista, em São Paulo, surgiu ao que parece, uma nova geração de Farricocos. Refiro-me a um grupo de pessoas que dançaram com um caixão nas costas, convocando as pessoas de volta ao trabalho e relativizando os riscos da pandemia do Covid-19. Soube depois que alguns daqueles dançarinos agradaram tanto a morte que ela fez questão de levá-los, consigo logo após a manifestação. Aquela brincadeira de mau gosto anunciava a estreia de uma dança macabra em todo o país. Somente no Brasil a morte já ceifou mais de 250 mil vidas no espaço de um ano! De fato, aqui ela tem reinado e ainda está com muita disposição para o baile. Haja parceiros!  Diante desse cenário macabro, o que diriam hoje os “Farricocos” da Avenida Paulista?

As cenas que presenciamos todos os dias em nosso país mostram-nos, o quanto a morte tem imperado em nosso meio. Ignorando esse “baile macabro” muitas pessoas agem com absoluta indiferença à dor dos outros. Não colaboram com o isolamento social, não evitam aglomerações e brincam com os farricocos sem perceber que nesse jogo todos saem perdendo. Não percebem que esse baile é uma dança de morte e cada um pode ser a próxima vítima. Os farricocos são democráticos por natureza. Morrem igualmente, ricos e pobres, feios e bonitos, famosos e anônimos.

O que vi em Marilândia não passava de uma encenação bonita e piedosa. Os elementos da religiosidade popular agregavam-se aos rituais litúrgicos tendo em vista a beleza das celebrações da Semana Santa. Mas, o que vemos hoje é bem pior. Não são encenações. A dança da morte está acontecendo bem perto de nós. Basta ligar o rádio ou a TV para se constatar essa realidade. Esse baile tem que parar! É preciso que os governantes façam sua parte. Mas, é necessário também um esforço coletivo e nisso você e eu podemos colaborar.  Caso contrário, a dança da morte irá varar a noite...

1- Lopes Nei, 1942. Novo Dicionário Banto do Brasil. Rio de Janeiro, Pallas 2003.

Imagem de Eliane Meyer por Pixabay 

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  1. Nossa Padre,,, nunca tinha ouvido falar em FARRICOCOS , já tinha ouvido dizer em santurião, neim sei se está escrito certo, mais sei que é um personagem que zomba de JESUS na procissão do enterro.........

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  2. Bom dia paz e bem. Que bela reflexão. E ensinamento de coisas curiosas. A cada dia aprendo mais.

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  3. ...."No início de 2020, em plena Avenida Paulista, em São Paulo, surgiu ao que parece, uma nova geração de Farricocos. Refiro-me a um grupo de pessoas que dançaram com um caixão nas costas, convocando as pessoas de volta ao trabalho e relativizando os riscos da pandemia do Covid-19. Soube depois que alguns daqueles dançarinos agradaram tanto a morte que ela fez questão de levá-los, consigo logo após a manifestação. Aquela brincadeira de mau gosto anunciava a estreia de uma dança macabra em todo o país. Somente no Brasil a morte já ceifou mais de 250 mil vidas no espaço de um ano! De fato, aqui ela tem reinado e ainda está com muita disposição para o baile. Haja parceiros! Diante desse cenário macabro, o que diriam hoje os “Farricocos” da Avenida Paulista?"...

    Vale a pena pensar!

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  4. padre Gabriel minha mãe falava na morte que acompanhava a procissão mas este nome eu não conhecia

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  5. Muito interessante esta leitura. Não conhecia a expressão " Farricocos". Mas espero que esta dança da morte acabe logo, que aprendamos rápido as "lições" e que Deus tenha misericórdia de nós.

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