Amorosa foi curada e Manhoso pagou o pato

 

Nas passagens de lua a coisa piorava e todos já esperavam por isso. Ela chegou a cercar um vizinho com uma foice na mão e espumando ódio pelas ventas. Seu irmão, Libério Benefício, apesar de miserável,  era a encarnação da inocência!  Disse a todos que, naquele dia, ela estava com sete espíritos! Como ninguém pudesse conferir tal informação, ela acabava se passando por verdadeira. Quem a visse em outro momento, nem acreditava tratar-se de Dona Clara, na verdade, Clara Amorosa de Todos os Santos, o seu nome de batismo. Tinha um rosto corado e muita vivacidade no olhar. Gostava de ajudar nos preparativos da semana santa quando sempre fazia o papel de Maria Madalena.

O “problema” de Clarinha começou ainda na adolescência, pelo menos era o que dizia Libério. Ela sempre foi muito só e nunca teve sorte no amor. Seus relacionamentos não passavam de namoricos que não resultavam nada, completava.  Única filha mulher, Clara não tinha quase ninguém para desabafar e falar de seus abismos interiores. Libério Benefício era muito sovina e nunca se dispunha a pagar-lhe um tratamento de saúde adequado. O casal de irmãos vivia sozinho e as visitas eram raras naquele tempo. Amorosa às vezes, reclamava da solidão com uma, ou outra vizinha. Mas, já estava resignada com a própria sorte. Sonhou muito na juventude. Agora já não contava tanto com a possibilidade de um possível matrimônio. Quando mais jovem chegou a preparar o enxoval. Mas, ele amarelou-se, de tanto ficar guardado!

As pessoas evitavam passar próximas à casa do Benefício. Vai que, naquele dia, Amorosa estivesse atacada! Todos recordavam da história envolvendo o “Zapião”. Zé Pião, certa vez,  minimizando o problema foi cantar de galo na casa do Libério fazendo gracinhas pra sua irmã. Mas, o que ele não esperava aconteceu: Amorosa se despiu, completamente, e partiu pra cima do galã que anda correndo até hoje, pelo visto! A coisa teria piorado muito, não fosse Chica Rezadeira, mulher forte na oração. Um problema daquele só podia ser causado por falanges espirituais à procura de corpo aberto, concluía Dona Chica.

Quando Chica morreu, Libério ficou muito aturdido. Foi então, que alguém lhe contou ter chegado de Goiás um solteirão, que também entendia de falanges espirituais. Tratava-se de Benvindo Penaforte, um castrador de burros, muito afamado em seu ofício. Libério não perdeu tempo. Procurou logo o recém-chegado para suplicar-lhe um favor. Queria que ele fosse castrar  “Manhoso”, o jegue da irmã, que já andava muito assanhado e arrebentando as cercas. Penaforte não recusou o convite. Havia chegado a pouco na vila e precisava conquistar a simpatia dos moradores. Chegou bem cedo para o serviço encomendado. Antes de começar os preparativos para a “cirurgia” no Jegue, tirou o chapéu e rezou co muita devoção. Com esse gesto ganhou os irmãos. Aquela visita foi a primeira de muitas outras que viriam depois! O resultado você já deve imaginar: Casamento na certa! E deu no que deu: Amorosa se casou com Penaforte e, por causa da “força espiritual” do marido, libertou-se, completamente,  dos “encostos”. Benefício acertou o alvo, sem gastar um centalvo! Casou a irmã e continuou morando com ela. Agora ele é que passou a ser um encosto de carne e osso! Quem não gostou nada disso foi Manhoso, que acabou pagando o pato, sozinho, pela cura de sua dona. Burro mesmo é o homem, pensou: Não teria sido bem melhor fazer o  omelete sem me quebrar os ovos?

Imagem de JackieLou DL por Pixabay