Deus é um pai que dorme com um olho só
Volta e meia encontramos uma polêmica nos Evangelhos com relação ao descanso semanal e o próprio Jesus foi “enquadrado” nos rigores da lei...

Volta e meia encontramos uma polêmica nos Evangelhos com
relação ao descanso semanal e o próprio Jesus foi “enquadrado” nos rigores da
lei quando realizou curas em dias de sábado, o dia desse descanso. Encantoado pelos opositores Jesus se defendeu
dizendo: Meu pai continua trabalhando até
agora e eu também trabalho (Jo 5, 17). O que está por trás dessa polêmica?
Vamos entender a questão a partir de uma história. Minha mãe
possuía uma horta de couves e criava galinhas. De vez em quando, as galinhas “invadiam”
a cerca e causavam uma verdadeira destruição. Para proteger a horta meu pai
teve que fazer uma segunda cerca de telas em torno da primeira. Assim, a horta
ficou resguardada por mais tempo.
A horta, no tempo de Jesus, era a Lei de Moisés. Para evitar
qualquer desrespeito à lei (decálogo), os especialistas criaram mais algumas
cercas... A lei de Moisés mandava pagar o dízimo. Mas não precisava pagar o
dízimo de tudo. Alguns, no entanto, preferiam pagar até daquilo que não
precisava. Assim ficariam bem resguardados pela lei. A lei mandava jejuar. Mas,
não precisava jejuar toda semana. Alguns jejuavam duas vezes por semana (Lc 18,
9-14)! Assim, criaram cercas para
proteger a horta... Mas, chegou um momento que havia tantas cercas que quase
ninguém tinha mais acesso à horta. Para acessá-la, a pessoa deveria ser um verdadeiro especialista assim como um
escriba ou fariseu. A grande maioria do povo ficava do lado de fora sem
apreciar as verduras! Nessa confusão
geral, alguém perguntou a Jesus qual seria o mandamento mais importante. Jesus
resumiu os 660 mandamentos que havia em apenas dois: Amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo. Ele tirou todas as cercas, desnecessárias,
que só atrapalhavam o acesso à horta ficando, apenas, com o essencial.
No que se refere à lei do sábado, aconteceu algo semelhante.
Inicialmente, essa lei era boa e servia para lembrar que o povo não era mais
escravo, pois escravo não tinha descanso semanal. Sendo um povo livre teria
direito ao descanso, pois até Deus havia descansado no sétimo dia, após o
trabalho duro da criação. Aí que surgiram os problemas nascidos dos exageros.
Para não incorrer ao risco de infringir a norma alguns contavam até os passos
que davam em dias de sábado... Foram listadas mais de trinta profissões que não
poderiam ser exercidas nesse dia. Aquilo que inicialmente era bom
transformou-se num jugo pesado. Jesus curou um doente na piscina de Betesda e o
mandou carregar a cama. Logo apareceram alguns legalistas censurando o
ex-paralitico: Você não pode carregar a cama, pois hoje é sábado! O pobre homem
foi carregado pela cama 38 anos! Agora que conseguiu sair dela ainda foi
censurado pelos legalistas de plantão.
Aquele povo apegado ao legalismo esquecia-se do mais
importante: O amor a Deus e ao próximo. Pensavam que cumprindo a lei “tim tim
por tim tim” Deus seria obrigado a salvá-los, pois haviam acumulado créditos
nesse sentido. Não via a salvação como dom e sim como merecimento. Para “merecerem”
a salvação estavam dispostos a venderem as próprias almas ao diabo...
A lei naquele tempo e hoje é uma espécie de pedagoga. Assim
como a pedagoga introduz a criança ao mundo do conhecimento a lei serve para
ajudar o homem a viver coletivamente. Uma vez que esse aprendizado já tenha
ocorrido a lei perde sua função.
O “descanso” de Deus não poderia ser invocado para justificar
o legalismo de alguns. Esse descanso não é inatividade. Caso contrário o mundo
deixaria de existir. Cansaço é uma questão humana. Seria estranho imaginar um
Deus morto de cansaço... Por isso eu digo: Deus quando dorme, dorme com um olho
só...
Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay