Festa de pobre
Era uma casinha branca, de chão batido. O pé direito baixo e as telhas recurvadas conferiam um atestado de pobreza àquela família. Os terr...
Era uma casinha branca, de chão batido. O pé direito baixo e
as telhas recurvadas conferiam um atestado de pobreza àquela família. Os
terreiros permaneciam sempre limpinhos e adornados com dois pés de “brincos de
princesa,” sob os quais, os cachorros se espreguiçavam ao cair da tarde. As paredes
de barro abrigavam os muitos filhos daquela família. De longe se podia ouvir o
burburinho da meninada ao fim do dia. Faltava quase tudo naquela casa, menos
alegria. Brinquedos de loja não existiam. A irmã mais velha puxava, no
terreiro, um pedaço de couro, como se fosse um carrinho, com o irmão mais novo
sobre ele. As brincadeiras só paravam na hora da boia! O cheiro de alho
fritando na banha de porco transportava qualquer um ao paraíso! A comida, apesar
de simples, era preparada com muito carinho. Frango, só aos domingos e olha lá!
Nas imediações do terreiro, a dona da casa cavou um
cupinzeiro transformando-o, em forno de assar biscoitos. O polvilho, preparado
por ela mesma, de tão branco chegava a doer nas vistas! No dia de “biscoitar” a
festa estava garantida. A vizinhança também participava daquilo e ganhava
alguns biscoitos. Coisa semelhante acontecia no dia em que se matava um porco.
Todo mundo ganhava um pedacinho e assim estava assegurado o milagre da boa
convivência.
O dia de matar porco era um acontecimento! Na noite anterior recolhiam-se
as palhas secas das bananeiras para sapecar o bicho. Caso contrário, elas não
se queimavam por causa do sereno. O sacrifício esperado acontecia ainda de
madrugada. Havia na meninada um misto de dó e contentamento. Todos ficavam tensos
e penalizados com o porquinho condenado à morte, ainda sem tomar o café da
manhã. Mas, a compaixão cedia lugar à necessidade. Afinal, não havia nada
melhor do que saborear um pedacinho de carne fresca, após muito tempo de abstinência!
Na hora da facada alguns meninos tampavam os ouvidos. Outros, dando grande
demonstração de macheza acabavam assistindo tudo de perto. A facada era “debaixo
do subaco”, como se dizia naquele tempo. Tinha que ficar esperto para recolher
o sangue e garantir o chouriço. Depois de morto o porquinho era sapecado com o
fogo das palhas de bananeiras. O fogo brilhava mais do que as estrelas e os
olhares dos meninos na madrugada escura! Na hora de abrir a barriga do animal
os meninos ficavam de olho na bexiga que seria transformada em bola. Uma bola
de curta duração, na verdade. Algumas tripas eram separadas para se fazer linguiça
de ventos. Depois de limpas, eram salgadas e enchidas de ar com um tubinho de
folha de mamoneira. Amarravam-se as mesmas e as colocavam sob o sol. Brevemente,
estariam prontas para serem assadas sobre as brasas e garantir a continuidade
da festa.
Em dias assim, era preciso amarrar os cachorros desde cedo.
Eles também esticavam os olhos querendo participar daquela festa de pobre. Custavam
a esperar pelos ossos após o almoço! Às vezes, acontecia de ganharem um ou
outro torresminho quando tivessem bom comportamento. Além do mais, sempre havia
um menino que tinha o “olho maior do que a barriga” e não conseguindo comer
toda a comida do prato dava a mesma aos bichinhos. Essa era uma espécie de “caridade”
de ricos que, quando desejam fazer um bota-fora de suas roupas e sapatos usados,
“doam tudo” aos pobres...
Um pedaço da pele do porco era separado para fazer o doce.
Mas, isso só acontecia no outro dia por causa do acúmulo de coisas para fazer
ou vasilhame para lavar. No dia em que se matava porco o que prevalecia era a
comida de sal. Por isso, todos bebiam muita água e elogiavam a qualidade da
mesma, mesmo sem geladeira, coisa inexistente naquele tempo.
Naquela casinha pequena muita gente cresceu guardando
milhares de histórias em suas lembranças. Alguns se casaram e outros morreram. Um
menino daquela família foi encarregado por Deus de registrar parte dessas
histórias. Esse menino sou eu!
Imagem de Dimitris Vetsikas por Pixabay
Menino de Deus!
ResponderExcluirParabéns!
Este menino Gabriel e muito especial para todos nós
ResponderExcluirEstou emocionada que saudades desse tempo viu tudo era festa. Fico feliz por ter participado desse tempo Éramos felizes e não sabia .um abraço amei essa recordação.
ResponderExcluirAmei essa recordação estou emocionada tempos difíceis mas melhores que hoje era uma festa .
ResponderExcluirEramos felizes e não sabia... um abraço Padre Geraldo Gabriel
ResponderExcluirQue menino de Deus virou aquele menino ! A gente vai lendo e é como se passasse o filme na frente, é como se tivesse acontecendo . Fui me lembrando da minha infância também, muita coisa do porquinho... Só não sei como se faz doce de pele de porco...Amei a leitura!!!
ResponderExcluirEu sempre tampava os ouvidos, mas adorava comer a carne e o torresmo mais tarde. Na verdade, esperava ansiosa para chegar a data do meu pai matar o próximo porco. Ótima recordação para mim padre. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirBelíssima recordação! Também ja participei desta festa. Momentos inesquecíveis.Obrigada pela lembrança.
ResponderExcluirPadre Geraldo esta historia aconteceu mesmo era uma felicidade so quando matava um porquinho nos nem dormiam direito pensando na festa que agente fazia mas meu pai sempre emprestava um pedaco fo porco p o meu cunhado depois de alguns dias ele matava seu porquinho e devolvia p meu pai o pedaco emprestado como era bom este tempo que hoje e raro acontecer isto nao e verdade.parabens p o senhor contar estas historia emociona muita gente eu fiquei.obrigado.
ResponderExcluirHistória linda! Que sempre repetia em nosso lar! Acontecimentos seu,tudo parecido com minha infância...O dia de matar o porco�� a madrugada,a ansiedade,a gente tapava os ouvidos! Os meninos machistas ajudavam o pai, nas folhas da bananeira...uma família simples mas feliz!Quantas saudades daquele tempo que não volta mais! Parabéns pela história que viveu,Padre Gabriel! Bem parecida com a nossa família também...O tempo passa,tudo acaba,mas as lembranças permanecem no coração ❤️ daqueles que se Amam...Maria Adélia
ResponderExcluirNa minha casa também matava porco e na verdade é como você descreveu. Parabéns Padre por nos remeter a tão remotas, doces e belas lembranças. ❤
ResponderExcluirMenino que traz para nós hoje, conhecimento, vivência e o mais importante a palavra de Deus e o próprio Jesus no sacramento da eucaristia,🙏🏼Obrigada padre Gabriel
ResponderExcluirÉ bom as histórias que ficam. São boas lembranças casa da vovó. Gosto de voltar no tempo e lembrar de onde venho. Da vida simples, de muito amor.
ResponderExcluirCoisa linda vivi tudo isso.Ao ler a história veio na minha mente o brilho das luzes da palha da bananeira quando tentava pegar as faíscas.
ResponderExcluirQue bela reflexão, a gente vai lendo e lembrando daquele tempo que não volta mais. Um abraço.
ResponderExcluirComo este menino tem sabedoria Parabéns
ResponderExcluirParabéns menino inteligente
ResponderExcluirOla Pe. Geraldo q linda historia verdadeira. Obrigada lembrei.me da minha infancia. Era m patecida com sua historia. Deus te de saude sabedoria e muitos anos de vida! Gosto m de ouvi.lo Abraço de Irma Luzia Alves.
ResponderExcluirNossa padre... Voltei na minha infância, meu avô criava porco no quintal e a gente levantava de madrugada para ver ele matar o porco exatamente como o senhor escreveu.
ResponderExcluirQue saudade daquele tempo!
É meu amigo. Vc fez-me voltar ao passado. Q saudades deste tempo. Hoje aq na cidade não se vê nada tão simples e família como era naquele tempo. Obrigado por remeter-me ao passado. Melhor: ao nosso passado. Mateuzinho
ResponderExcluirE como num piscar de olhos o menino Gabriel fez com que todos leitores se transportassem ao passado para viver sua história e saber quão guerreiro é e o quanto é merecedor de estar onde está. Muito orgulho.
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