O Anjo do Senhor anunciou a José

 

Pode ser que pela força do hábito, o leitor tenha estranhado, um pouco, o título desse texto. Afinal, já ouvimos dizer tantas vezes que: “O Anjo do Senhor anunciou a Maria e ela concebeu do Espírito Santo”, que estranhamos quando o relato acontece de forma diferente. Mas, afinal, o Anjo anunciou a José ou à Maria? Aos dois! São Lucas narra-nos, que o Anjo anunciou à Maria (Lc 1, 26-38), São Mateus (Mt 1,20), por sua vez, nos diz que o Anjo anunciou a José. Com relação à Maria, José ficou em desvantagem, pois foi em sonho, que recebeu esse anúncio. Os sonhos não tem o mesmo peso da realidade concreta. Às vezes, eles se misturam com as fantasias. Mas, para os objetivos de São Mateus o relato foi perfeito.

Talvez fosse bom entender um pouco mais sobre a importância de José nas narrativas da infância de Jesus. São Lucas constrói essas narrativas a partir de Maria. São Mateus, no entanto, as constrói a partir de José. Ambos querem apresentar José enquanto elemento de ligação de Jesus com a linhagem de Davi. Embora Mateus se esforce mais nesse sentido. As narrativas sobre a infância de Jesus, por São Mateus o apresentam como um novo Moisés. Qualquer leitor mais atento irá perceber que há um paralelismo entre Moisés e Jesus. Lucas não se preocupa tanto com isso, certamente, porque os destinatários do seu Evangelho não conheciam as sagradas escrituras.

Vejamos alguns elementos desse paralelismo:

Assim como Moisés recebeu a Lei no Monte Sinai, Jesus ofereceu uma nova lei no Sermão da Montanha (Mt 5-7);

Tanto o Faraó quanto Herodes determinaram a matança de crianças inocentes;

Assim, como Moisés, Jesus também escapou da morte quando criança;

Após a morte do faraó Deus ordenou que Moisés que voltasse ao Egito pois aqueles que tramavam a sua morte haviam morrido; após a morte de Herodes José também foi avisado em sonhos para voltar à sua terra.

Assim como aconteceu com Moisés, aconteceria também com Jesus, que seria o libertador de seu povo...

São Mateus apresenta Jesus como o Messias esperado da linhagem de Davi da qual José era descendente. Assumindo Jesus como Filho José lhe confere uma inserção histórica e social. Valendo-se de um recurso da época São Mateus mostra a “genealogia” de Jesus (Mt 1, 1-17) em três grupos de 14 gerações. Naquela época, cada letra tinha um equivalente numérico. Somando as consoantes do nome Davi (D a V i D) chegava-se ao número 14. As vogais não contam no hebraico! Então, ficava assim: D=4;   V=6;   D=4. A soma resultante era 14. O número 14 é o duplo de sete, número considerado perfeito. As 14 gerações que vão  de Abraão a Davi mostram o primeiro ponto alto da história, ou seja o Rei Davi. As 14 gerações seguintes vão de Davi ao exílio da Babilônia, o ponto mais baixo da história. As próximas 14 gerações vão do exílio da Babilônia até Cristo, o ponto mais alto da história, pois Cristo é o Messias desde sempre esperado...

São Mateus escreveu o seu Evangelho para os judeus que se converteram ao Cristianismo. Por isso, ele fez questão de apresentar Jesus a partir de paralelos e citações do Antigo Testamento, pois os judeus conheciam bem esses textos. Nesse caso, o foco das narrativas da infância concentrou mais em José do que em Maria porque José era descendente de Davi.

No mistério da Encarnação José é tão importante quanto Maria. Apesar disso, o seu papel parece ter ficado mais esquecido. Ainda assim, ele tornou-se um dos santos mais queridos de nosso povo. O seu nome é tão amado que em quase todas as famílias existe um José. Tomara que ele seja cada vez mais amado e conhecido pelos seus devotos. Afinal, seria injusto deixar no esquecimento uma pessoa tão importante na vida de Jesus.

Imagem de Håkan Stigson por Pixabay