A espiritualidade representada pelo macaquinho Nala

  Uma das maiores histórias de amor da humanidade está registrada no Ramayana, um clássico da literatura indiana. Ela registra o amor entre ...

 


Uma das maiores histórias de amor da humanidade está registrada no Ramayana, um clássico da literatura indiana. Ela registra o amor entre dois personagens – Rama e Sita – que são, altamente, simbólicos. A história pode significar muita coisa, assim como tantas outras narrativas mitológicas do gênero, como Eros e Psiquê, da mitologia grega, ou mesmo o Cântico dos Cânticos, na Bíblia. Rama e Sita são dois avatares (encarnações) de Vishnu e Lakshmi, que por uma determinação do Dharma (lei universal) foram separados um do outro. Daí começa a grande saga de Rama que deverá buscar sua amada Sita, sequestrada por Ravana, um ser diabólico e conduzida como prisioneira de seu palácio em Lanka.  O Ramayana é uma obra completa com 24 mil versos, atribuída a Valmiki, um personagem lendário. Sua compilação aconteceu entre 200 a C a 200 d. C. Para compreendê-lo, talvez, fosse bom compreender antes, alguns conceitos básicos do Hinduísmo. No cenário daquela cultura, existem muitas divindades, animais e locais sagrados. Os animais, as árvores e os rios falam e, às vezes, ajudam ou atrapalham os homens na busca de seus objetivos. As divindades tomam partido contra ou a favor dos humanos e podem fazer o bem ou o mal, conforme as circunstâncias.

Na busca desesperada por sua amada, Rama terá que enfrentar milhares de obstáculos e, nesse esforço, pode contar com a ajuda de muitos outros personagens que surgem no texto. Um dos grandes obstáculos era descobrir o esconderijo de Sita, coisa que ele conseguiu com ajuda de Hanuman, um deus-macaco aliado ao seu exército. Outra dificuldade era chegar ao esconderijo, pois ele ficava na Ilha de Lanka e não havia ponte para ligar o continente à ilha. Só depois de muita briga com Samudra, uma divindade do mar, ele descobriu um jeito. Foi Samudra que, pressionada por Rama, revelou-lhe o segredo de Nala.

Nila e Nala eram filhos de Vishwakarma, o arquiteto dos deuses. Assim que nasceu, Nala foi abençoado pelo pai e, por isso, tudo o que ele atirava sobre a água não afundava. A história desses dois personagens costuma sofrer muitas variações. Uma variação da lenda afirma que, na juventude, ambos os irmãos eram muito travessos. Numa dessas travessuras jogaram na água algumas imagens sagradas adoradas pelos sábios. Para evitar que as imagens fossem engolidas pelas águas os sábios conseguiram um “milagre”. A partir de então, tudo o que Nala ou Nila jogassem ao mar não afundariam e permaneceriam para sempre à deriva até que fossem encontradas por alguém. A indicação de Samudra foi boa, mas era preciso ainda descobrir um jeito de prender as pedras umas às outras, caso contrário, a ponte não teria sustentação. Para isso, os macacos escreviam nas pedras o nome de Rama. Afinal, toda aquela batalha estava sendo travada em nome do amor. É o amor que permite construir pontes e unir as pedras de qualquer edificação...

Antes de prosseguir com a história é bom lembrar-se do grande medo que o homem antigo tinha do mar. Ele representava perigo, ameaças, mistério, bravura... Nesse sentido, poderíamos elencar outros mitos associados ao mar, como Poseidon, por exemplo, uma divindade temperamental da mitologia grega. Foi por causa de seu mau humor que Odisseu demorou uma eternidade para retornar à sua ilha após a Guerra de Tróia. Valeria à pena lembrar-se das sereias do mar, personagens mitológicos que cantavam bonito para atrair os navegantes às profundezas. Mais recentemente, podemos lembrar-nos do Leviatã, um monstro marinho imaginário, ou de Fada Morgana, ser lendário que assustava os marinheiros por causa das ilusões de ótica em alto mar. Por causa de tudo isso, alguns marinheiros prendiam carrancas de madeiras nas proas de seus barcos para expulsar o mal dos seus caminhos. O poeta Pablo Neruda colecionou muitas dessas carrancas de proas que ainda são conservadas em sua casa em Isla Negra, no Chile. Sobre uma delas, que ele chamou de Maria Celeste, ele afirmou:  

“Tenho carrancas e mais carrancas. A menor e mais deliciosa, que muitas vezes Salvador Allende tentou me arrebatar, chama-se Maria Celeste. Pertenceu a um navio francês, de tamanho menor, e provavelmente não navegou senão nas águas do Sena. De cor escura esculpida em madeira de azinheira, com tantos anos e viagens virou morena para sempre. É uma mulher pequena que parece voar com os sinais do vento talhando suas belas vestes do Segundo Império. Acima das covinhas das faces, os olhos de louça olham o horizonte. E ainda que pareça estranho, estes olhos choram durante o inverno, todos os anos. Não há explicação para isso. A madeira tostada  terá talvez alguma impregnação que recolhe a umidade. Mas o certo é que esses olhos franceses choram no inverno e que eu vejo todos os anos as preciosas lágrimas descerem pelo pequeno rosto de Maria Celeste.” (Confesso que vivi – Ed. Difel – p. 285).

Uma das cenas mais belas do Evangelho é quando Jesus caminha sobre as águas do mar para salvar os discípulos que estão com medo dos ventos e da tempestade (Jo 6, 16-21). Os discípulos eram pescadores, mas apesar disso, estavam apavorados. O mar sempre gostou de engolir os navegantes mais corajosos... A propósito disso escreveu John Dryden, poeta inglês, no seu poema “Annus mirabilis”(Ano maravilhoso) em 1666:  Mulheres e covardes podem jazer na terra. O túmulo do mar convém melhor aos bravos... Mas, o que se via ali, no entanto, não era bravura e sim muito medo. E como não ter medo quando se está em uma frágil embarcação sobre ondas furiosas?  Pensando bem, a nossa existência não se parece com essa embarcação? Temos pela frente uma grande “travessia” e nem sempre temos o mapa do caminho. Exatamente por isso, “viver é muito perigoso”, segundo as palavras de Guimarães Rosa... A espiritualidade é um mapa orientador de nossas vidas. É ela que nos orienta nessa travessia. Enquanto o mar representa a materialidade Jesus representa a espiritualidade. Só quem está cheio do espírito pode caminhar sobre as águas sem ser engolidos por elas. Hoje, mais do que nunca, precisamos buscar um sentido espiritual para nossas ações, caso contrário, cairemos num abismo.

Imagem de Gerhard G. por Pixabay 

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  1. .. A espiritualidade é um mapa orientador de nossas vidas. É ela que nos orienta nessa travessia. Enquanto o mar representa a materialidade Jesus representa a espiritualidade. Só quem está cheio do espírito pode caminhar sobre as águas sem ser engolidos por elas. Hoje, mais do que nunca, precisamos buscar um sentido espiritual para nossas ações, caso contrário, cairemos num abismo."

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