Cachorro Zangado

 

Naquele tempo não havia remédio para curar “cachorros zangados” e só restava torcer para que os bichos atravessassem bem o mês de agosto. Também não sei por que a doença atacava mais no mês de agosto. A raiva canina era uma coisa de outro mundo! O cachorro se escondia em lugares escuros, babava muito e ficava com os olhos em brasas. Parecia algo do “bicho ruim”. Era assim que nós nos referíamos ao principal inimigo de Deus. A gente morria de medo de encontrar um cachorro zangado no mês de agosto, pois, sobre isso, havia histórias de arrepiar! Diziam até que um homem fora mordido do outro lado Lambari e que tivera que ser amarrado pra não sair mordendo em todo mundo!

Meu pai gostava muito de cachorros e tinha uma meia dúzia deles desfilando pela casa. De todos, “Valente” era o mais querido. Acompanhava sempre meu pai e espantava os bichos comedores de galinhas. Era amarelo e peludo. Todo mundo gostava dele. Mas, é sempre assim: Quando chove sopa o pobre está com garfo na mão! Por isso, logo ele adoeceu. Fazia pena ver o seu estado raivoso. Amontoou-se no porão do paiol perto do ninho das galinhas e de lá não saia pra nada. Uivava dia e noite e babava uma cachoeira de saliva. Tudo aquilo dava medo na gente, pois diziam que a doença era transmitida pela baba do animal. Diante de tanto sofrimento meu pai não teve escolha. Matou o animal com um tiro de espingarda. Só Deus sabe o quanto ele sofreu por fazer isso! Até hoje me lembro do animal, sem vida, e a gente morrendo de tristeza pelo desfecho da situação.

Sempre gostei de cachorros e já tive muitos. Hoje não os possuo porque meu estilo de vida não permite mais. Em outros tempos já tive “Chica da Silva”, “Pixinguinha”, “Minerva” e “Gardel”.  Cada um deixou-me doces lembranças.  Esses nomes foram pensados, carinhosamente, pois todos esses personagens despertam minha admiração. “Chica” apareceu em minha casa muito judiada, apesar de ser, no passado, uma cadelinha de grife. Pelo visto fora abandonada por algum “contratador” sem coração! De tão sofrida contraiu uma doença quase sem cura (cinomose). Soube disso, mais tarde, através do Lucas, meu sobrinho que é veterinário. Por causa disso, teve que ser eliminada. Mas, dessa vez, o procedimento foi mais “humanizado” e sem uso de cartucheira... “Pixinguinha” apareceu-me, do nada, e acabou partindo de jeito que chegou. Simplesmente, botou a viola no saco e sumiu. Era um cachorro pretinho e com dotes para as artes, pois enquanto estava sob minha guarda andou aprontando muito.

“Gardel” deixou histórias! Nunca vi um cachorro tão namorador, apesar de não ser dado a banhos. Uma vez dei-lhe um banho caprichado para que pudesse dançar um tango com uma cadelinha rebolante das imediações. Aquilo foi esforço perdido, pois antes mesmo de enxugar seus pelos correu para revirar-se no monte de areia. Mesmo assim, a rebolante não desistiu e, por diversas vezes, tive que presenciar coisas que não gostaria de narrar aqui. Quanto à “Minerva,” essa de deusa não tinha nada. Andou se implicando com as senhoras que frequentavam a Igreja para rezar na parte da tarde. Ao que parece, era avessa à religião. A coisa azedou de tal maneira que tive que transferi-la de endereço.

Quem gosta de cachorro sofre muito com a morte deles. Quem tem sofrido, ultimamente, é minha amiga Geralda, com a morte de “Fifi”, chamada por mim de “WI-Fi”, pois andava sempre conectada com todo mundo no Bairro Pe. Libério em Pará de Minas.  Onde Geralda ia Fifi ia na frente. Por isso, não perdia uma missa na Capela de Santa Clara. Todo mundo naquele bairro sentiu a falta de Fifi.

Os cachorros, atualmente, podem ter mais qualidade de vida do que antigamente. Existem vacinas para quase todas as doenças. Com um pouco de cuidado o cachorro pode viver muitos anos sem adoecer. Mas, antigamente, era bem diferente. O mês de agosto era um terror, pois, além de outras superstições ligadas a esse mês, a síndrome do “cachorro zangado” assustava todo mundo. Atualmente, precisamos tomar mais cuidado com os donos dos cachorros! Tem muita gente zangada circulando por aí,  em todos os meses do ano...

Imagem de Nestall por Pixabay