Olho por olho – Mt 5, 38-42

 

Parece que existe dentro do cada um de nós uma “lei do talião”. O que vem a ser isso?  A “Lei do Talião” já se encontrava nas leis assírias – Código de Hammurabi, Rei da Babilônia, em torno de 1750 a. C. Alguns livros do Pentateuco (os primeiros cinco livros da Bíblia) também contemplam essa lei, veja, por exemplo, Êx 21, 22-25:

Se homens brigarem, e acontecer que venham a ferir uma mulher grávida, e esta der à luz sem nenhum dano, eles serão passíveis de uma indenização imposta pelo marido da mulher, e que pagarão diante dos juízes. Mas, se houver outros danos, urge dar vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe (1).

A lei do “olho por olho e dente por dente” equivale à moderna afirmação: “Pagar com a mesma moeda”. Nesse sentido, se você me fizer mal eu teria o direito de fazer-lhe um mal na mesma proporção. O que hoje poderia ser visto como ultrapassado, na época (1750 a. C) foi uma forma de conter a violência e, portanto, um avanço no campo do direito, pois evitava-se, que os poderosos aplicassem sentenças injustas com relação aos mais fracos. A pena deveria ser igual ao delito. Naquele tempo como hoje nossa tendência é sempre “lucrar” e levar vantagens ao cobrar uma ofensa ou agressão recebida. Por isso, se você me der um soco eu lhe dou dois. O primeiro é para pagar e o segundo seria um “lucrinho”. Caso você pense igual a mim irá me aplicar cinco socos. Os dois para pagar e um para lucrar, e daí por diante...

Diante desse cenário, Jesus nos propõe algo verdadeiramente revolucionário: O perdão e o amor ao inimigo! Confesso que essa é uma proposta ousada e difícil. Será que Jesus não conhecia a condição humana ao nos propor algo irrealizável?  Quem teria “madeira de santo” ou fibra de herói para arcar com esse comportamento?

Penso que Jesus não desconhecia nossa natureza e, talvez, exatamente, por isso, propôs esse modelo de conduta. Algumas pessoas conseguiram colocar isso em prática, quando perdoaram os seus inimigos. A palavra “inimigos” nesse caso nem se aplicaria, pois essas pessoas não viam ninguém dessa forma. Madre Tereza de Calcutá, por exemplo, não concebia ninguém como inimigo. Aliás, segundo a mesma, “não há pessoas más, mas pessoas que não foram suficientemente amadas...”.

Jesus não nos propõe uma resignação fatalista diante do mal. Ele mesmo não ofereceu a outra face quando um soldado deu lhe um tapa no rosto (Jo 18, 23), mas, questionou o seu gesto violento: Se falei mal mostra-me onde, se falei bem porque me bates? Após questioná-lo, ofereceu-lhe a outra face, a face da verdade! Jesus não quer que sejamos violentos, mas que aprendamos uma “não violência ativa”. O que é isso? É não usar as mesmas armas dos violentos, mas questionar suas atitudes.  Para ilustrar esse exemplo poderíamos citar alguns nomes como Nelson Mandela, Luther Kink, Gandhi e tantos outros... Nenhum deles concordou com os modelos violentos de organização da sociedade de seu tempo. Lutaram contra isso usando, cada um a seu modo,  armas diferentes.  Mas, voltemos  ao texto bíblico. Disse Jesus: “Se alguém abrir um processo contra você para tomar-lhe a túnica, dê-lhe também o manto”. Nesse caso, se você der a túnica e o manto seu inimigo se tornará seu devedor.  Se ele for uma pessoa má acabará envergonhado, se for uma pessoa necessitada você terá feito uma boa ação; “Se alguém lhe forçar a andar um quilômetro com ele anda dois”. Quem sabe no segundo quilômetro ele já não será seu amigo? “Não vires as costa a quem te pedir”. Se virarmos às costas não iremos encarar a pessoa de frente e não saberemos se, de fato, ela está necessitada daquilo que pede. A pior maneira de dialogar com alguém é estando de costas para ele...

Não ser violento hoje é um grande diferencial. Tudo parece estar montado para nos tornar mais violentos. São inúmeros os programas televisivos que espetacularizam o crime, e as demais atitudes violentas. Os filmes infantis quase sempre mostram guerras e combates. A violência está em casa, no transito, nas organizações e nas ruas. Estamos longe de colocar em prática os ensinamentos de Jesus nesse sentido. Por isso, precisamos rezar mais a “Oração de São Francisco”: Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz...Onde houver ódio, que eu leve o amor...

Gostaria de transcrever ao final desse artigo uma música que gosto muito numa gravação memorável de Beth Carvalho e Mercedes Sosa: Eu só peço a Deus! Entre outras coisas ela afirma: Que a dor não me seja indiferente... Que a guerra não me seja indiferente...

Eu Só Peço a Deus

Beth Carvalho & Mercedes Sosa

Eu só peço a Deus

Que a dor não me seja indiferente

Que a morte não me encontre um dia

Solitário sem ter feito o que eu queria

 

Eu só peço a Deus

Que a dor não me seja indiferente

Que a morte não me encontre um dia

Solitário sem ter feito o que eu queria

 

Eu só peço a Deus

Que a injustiça não me seja indiferente

Pois não posso dar a outra face

Se já fui machucado brutalmente

 

Eu só peço a Deus

Que a guerra não me seja indiferente

É um monstro grande e pisa forte

Toda pobre inocência desta gente

É um monstro grande e pisa forte

Toda pobre inocência desta gente

 

Eu só peço a Deus

Que a mentira não me seja indiferente

Se um só traidor tem mais poder que um povo

Que este povo não esqueça facilmente

 

Eu só peço a Deus

Que o futuro não me seja indiferente

Sem ter que fugir desenganado

Pra viver uma cultura diferente

 

Solo le pido a Dios

Que la guerra no me sea indiferente

Es un monstruo grande y pisa fuerte

Toda la pobre inocencia de la gente

Es un monstruo grande y pisa fuerte

Toda la pobre inocencia de la gente 

 

1- https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/exodo/21/

Imagem de 3D Animation Production Company por Pixabay