Pelo sinal da Santa Cruz...

 

O Sinal da Cruz, talvez, seja a primeira oração que as mães ensinam aos filhos. Enquanto se pronunciam as palavras certas, as cruzes vão sendo traçadas no rosto com o polegar da mão direita: Pelo sinal da Santa Cruz (faz-se o sinal de uma cruz na testa), livre-nos Deus, Nosso Senhor (faz-se o sinal de uma cruz sobre a boca), dos nossos inimigos (faz-se um sinal da cruz sobre o peito), em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo (traça-se uma cruz maior da cabeça ao peito). A partir de então, o devoto sente-se protegido como que por um escudo poderoso da Cruz e da Santíssima Trindade.  A cruz, nos ensina São João Damasceno, é o escudo e o troféu contra o demônio. É o sinal para que não sejamos atingidos pelo anjo exterminador, como diz a Escritura (Ex 9,12). É o instrumento para levantar aqueles que caem, o apoio para os que se mantêm em pé, o bastão dos débeis, o guia dos que se extraviam, a meta dos que avançam, a saúde da alma e do corpo. Afugenta todos os males, acolhe todos os bens, é a morte do pecado, a semente da ressurreição, a árvore da vida eterna...(1).

Fazer o “Sinal da Cruz”, é um ritual que vem das comunidades cristãs de Tertuliano (155 – 220), em Cartago, e de Orígenes (185- 154), em Alexandria. Hipólito de Roma (Séc. III) escreveu:  “Na tentação, procura sempre fazer piedosamente, na fronte, o sinal da cruz, pois este é o sinal da Paixão conhecido e provado contra o demônio, se o fizerdes com fé (...) opondo-o conscienciosamente como se fosse um escudo. Em Paracatu uma Folia de Reis, canta:

Pelo sinal da Santa Cruz, livra-nos Deus, Nosso Senhor, pra livrar dos inimigos, foi o sinal que Deus deixou.

Eu já fiz o meu pelo sinal, pelo sinal na minha testa, com meu dedo polegar, e minha mão direita aberta,

Eu já fiz o meu pelo sinal, que é da primeira ciência, é o que devemos fazer, pra poder pedir licença. (2).

A Cruz de Cristo, de fato é escudo e proteção, pois o Senhor pôs a salvação da humanidade no lenho da Cruz, para que a vida ressurgisse de onde viera a morte, e aquele que vencera na árvore do Paraíso, fosse vencido na árvore da Cruz, conforme nos diz o prefácio da Missa rezada no dia da Exaltação da Santa Cruz.

Em muitos lugares de Minas Gerais, uma pequena cruz assinala o local onde um cristão deu o seu último suspiro.  Passando diante dela as pessoas rezam pela alma do falecido e, às vezes, enfeitam a cruz para preservar a memória do morto cujo nome costuma ser escrito na madeira da própria cruz. Castro Alves, “poeta dos escravos” refere-se a esse costume no texto:  Cruz da Estrada:

Caminheiro que passas pela estrada / Seguindo pelo rumo do sertão,

Quando vires a cruz abandonada / Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso / Que lhe atiras nos braços ao passar?

Vais espantar o bando buliçoso / Das borboletas, que lá vão pousar.

 

É de um escravo humilde sepultura / Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.

Deixa-o dormir no leito de verdura / Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

 

Não precisa de ti. O gaturamo / Geme, por ele, à tarde, no sertão.

E a juriti, do taquaral no ramo / Povoa, soluçando, a solidão.

 

Dentre os braços da cruz, a parasita / Num abraço de flores, se prendeu.

Chora orvalhos a grama, que palpita / Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

 

Quando, à noite, o silêncio habita as matas / A sepultura fala a sós com Deus.

Prende-se a voz na boca das cascatas / E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

 

Caminheiro! do escravo desgraçado / O sono agora mesmo começou!

Não lhe toques no leito de noivado / Há pouco a liberdade o desposou.

 

Ao longo da história muito já se escreveu e falou-se sobre a Cruz de Cristo. Alguns desses textos são verdadeiras obras de arte. Um deles remonta ao Séc VI e é atribuído a São Venâncio Fortunato, bispo de Poitiers na França. Trata-se do Hino Crux Fidelis, ou Cruz Fiel: 

Ó Cruz fiel, entre todas a árvore mais nobre:

Nenhum bosque produz igual, em ramagens, frutos e flores. Ó doce lenho, que os doces cravos e o doce peso sustentas. 

Canta, ó língua, o glorioso combate [de Cristo], e, diante do troféu da Cruz, proclama o nobre triunfo:

a vitória conseguida pelo Redentor, vítima imolada para o mundo. 

O Criador teve pena do primitivo casal, que foi ferido de morte, comendo o fruto fatal,

e marcou logo outra árvore para curar-se do mal. 

Glória e poder à Trindade, ao Pai e ao Filho louvor, honra ao Espírito Santo, eterna glória ao Senhor,

que nos salvou pela graça e nos reuniu no amor.

 

Terminemos o nosso texto com a letra de mais uma das nossas músicas que homenageiam a Santa Cruz:

Vitória, tu reinarás, Ó Cruz, tu nos salvarás... / Brilhando sobre o mundo, que vive sem tua luz, tu és um sol fecundo, de amor e de paz, ó Cruz! 

Aumenta a confiança do pobre e do pecador, confirma nossa esperança na marcha para o Senhor. 

À sombra dos teus braços a Igreja viverá. Por ti no eterno abraço o Pai nos acolherá. 

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1-      São João Damasceno, De fide orthodoxa, IV,11. Op. Cit. In: Falar com Deus – Meditações para cada dia do ano, de Francisco Fernández- Carvajal. SP, Quadrante, 2005.

2-      Poel, Francisco van der (Frei Chico) -  Dicionário da Religiosidade popular. Curitiva, PR. Nossa Cultura, 2013.

Foto: Arquivo pessoal - Comunidade levantando um Cruzeiro na Cidade de São José da Varginha, MG