O céu em conta gotas
Quando eu era criança pensava que o céu não passava de uma grande tenda azulada cobrindo a terra nas linhas do horizonte. O horizonte, par...
Quando eu era criança pensava que o céu não passava de uma
grande tenda azulada cobrindo a terra nas linhas do horizonte. O horizonte,
para mim, terminava na última serra alcançada pelo olhar. Às vezes, me imaginava voando até lá, feito
um passarinho em busca de aventura. Na garupa de um cavalo, com meu pai, costumava
andar o dia todo e nada de alcançar a barra do céu. Em minha inocência, queria chegar ao céu,
cavalgando com meu pai, sem perceber que o céu já estava ali, sobre nós dois. Ele faltava adivinhar o que se passava comigo e, quando o sono me atacava tirava da sacola um vidrinho de café frio a que chamava de “moka” e me
oferecia um gole para me despertar.
Pelas estradas ensolaradas sentia uma grande invasão de perfumes, uma
profusão de cores e podia ouvir uma verdadeira orquestra de grilos e
cigarras... Diante de tanta vida nem sentia as barras do arreio a me beliscar as
pernas no trotar do cavalo. A fumaça do “pito
de palha” e algumas mutucas atrevidas também conspiravam contra minha
sonolência. Ainda sem conhecer o texto bíblico, era como se eu ouvisse, por antecipação,
o alerta de Jesus: -Você não está longe
do reino de Deus! Reino de Deus? O
que poderia significar essa grande expressão a um menino tão pequeno? Hoje penso, que o reino nos chega, aos poucos,
e que podemos experimentá-lo, em cada horizonte atingido. Assim como o reino de
Deus o horizonte se retrai sempre de nós como num jogo de esconde-esconde. Quando penso tê-lo encontrado ele já se
recuou para trás e, dessa maneira, sou impelido a buscá-lo, com empenho cada
vez maior. Mas, tal busca não acontece à semelhança do cachorro que corre atrás
do próprio rabo. É uma busca na direção da beleza e da plenitude. A cada passo dado ficamos mais encantados e
motivados a dar novos passos. Um dia, ficaremos encantados de vez, naquilo que
podemos chamar de visão beatífica de Deus.
Por ora, é melhor que o céu nos venha em conta gotas. Caso, viesse a nós
de uma só vez, seríamos sufocados e não resistiríamos tanta beleza!
O céu, então, pode ser traduzido na experiência de um pai que
leva o filho na garupa de um cavalo e se preocupa com seu estado sonolento;
Pode ser um pai que oferece ao filho apenas um gole de café frio com o coração
aquecido de amor; pode ser os sons, os cheiros e as cores que presenciamos a
cada instante em cada curva da estrada...
Meu pai carregava no cavalo um chifre de boi muito limpo e
lustrado preso por uma cordinha que nos servia de copo. Assim, podia apanhar a
água, diretamente, do seu curso, sem descer do cavalo. Confesso que até hoje
nunca bebi água tão gostosa! À sua maneira, ele soube colocar a “tecnologia” à
serviço do amor. Poderia haver finalidade mais nobre às engenhocas humanas?
Aquela água limpinha apanhada, diretamente, na fonte, suavizava o peso da
jornada de quem tinha o céu como meta de chegada. Meu pai hoje já se encontra
lá; o chifre, em forma de copo, perdeu-se no passado e o cavalo só existe na
lembrança. Com o tempo eu também me mudei, só não perdi o olhar de encantamento
diante da vida. Sei que Deus não me abandona e Se me revela aos poucos. Quanto
ao “moka”, oferecido a mim, pelas mãos de meu pai, ficou apenas na saudade...
Imagem de Artist and zabiyaka por Pixabay
QUE EMOÇÃO SENTE AO LER ESSA CRÔNICA!!!
ResponderExcluirO VIDRINHO DE CAFÉ FRIO, O CAVALO ...ESTOU VENDO AQUELE MENINO PURO ,INOCENTE ,SONHADOR ...
PARABÉNS !
É LINDO FEMAIS.
Belíssimo texto, emocionante!
ResponderExcluirMaravilhoso, simplesmente maravilhoso, é uma viagem, consegui acompanhar o trajeto , me emocionei e muito, e ainda acompanhada desta musica simplesmente linda!!!! Obrigada por nos.proporcionar tanta emoçao.
ResponderExcluirMuito lindo padre. Nossa essa música então.Nesna coisa de estar vendo meu pai. Que saudade! Ele amava está música.
ResponderExcluir👏👏
ResponderExcluirMuito bonita além do vídeo 😍 parabéns padre Gabriel.
ResponderExcluirMuito obrigada por este texto, ele me remeteu a casa dos meus avós em Cachoeira de Alma, lembrei da lida dos meus tios, lá era um cantinho do céu. Como é bom termos lembrança dos lugares e das pessoas que amamos e não está mais junto de nós, mas está juntinho de Deus neste céu maravilhoso. Gratidão.
ResponderExcluirO céu nos vem aos poucos, em conta gotas, nos pequenos gestos que nunca esqueceremos. Pode ser um gole de água gelada, apanhada na fonte, ou um cheiro forte do pito de palha. A nossa história é uma construção, cheia de retalhos, que se completa, totalmente, quando Deus colocar o último e amarrar o fio longo da existência.
ResponderExcluirMuito bacana o texto parabéns.
ResponderExcluirBom dia pe.Geraldo!!
ResponderExcluirLendo seu texto ,viajei juntamente com vocês.
Com as mesmas emoções!!
É isso aí, temos que viver os momentos , porque nada se eterniza ,nem mesmo a saudade,pois a qualquer instante podemos não lembrar mais nada.
Bom dia !!! Este texto mexe com nossos corações , a saudades de nossos entes queridos que partiram !!! E nós um dia queremos nos encontrar !!!! Eterna saudade dos meus pais !!!!
ResponderExcluirPadre Gabriel Parabéns
ResponderExcluirExcelente
ResponderExcluirBelíssimo texto. Me fez lembrar de quando ia pra horta com meus pais e bebia café frio. Os textos do senhor sempre nos faz lembrar nosso passado e como era tão maravilhoso.
ResponderExcluirSuavisava o peso da jornada de quem tinha o céu como meta de chegada.
ResponderExcluirLindo todo o texto!