Pedidor de esmolas
A figura do “pedidor” de esmolas marcou minha infância de menino pobre da zona rural. De vez em quando, alguém, passava em minha casa, com...
A figura do “pedidor” de esmolas marcou minha infância de menino pobre da zona rural. De vez em quando, alguém, passava em minha casa, com um santinho na mão, pedindo uma esmola “pelo amor de Deus”. Às vezes, era para Santa Luzia, São Brás ou outro santo que resolvia os problemas do povo, naquele tempo, ainda mais desamparado do que hoje, pelo governo.
Era um cisco no olho e lá vinha uma promessa; mordida de cobra, dizia-se “mordida” mesmo; e lá vinha outra promessa para são bento. Tempestade no céu; promessa para Santa Bárbara. Santos Reis não atendiam um campo específico da existência. Socorriam qualquer aflito de última hora. Para o pagamento aceitavam um brinde para a próxima folia ou uma mesa para os inocentes. Essa última era assim: Fazia-se um jantar ou almoço com frangos e macarronada para as crianças inocentes das redondezas. Mas, os inocentes não iam sozinhos. Por isso, a comida deveria dar para os que haviam perdido a inocência também. Nesse caso, a maioria. O que importava afinal, era que todos comiam e se divertiam. Aliás, a gente torcia para que alguém fizesse a tal promessa. Sinal evidente que teríamos macarronada, com queijo ralado e tudo. Quando se é criança uma simples macarronada pode tornar-se uma "ambrosia", ou seja, um prato dos deuses...
O dia do cumprimento das promessas feitas aos Santos Reis, era o dia das mulheres exibirem os vestidos de alpacas e lenços “chiffon”. Todas essas “riquezas” eram da mais pura imitação adquirida do último vendedor ambulante rural, outro nome chique para o conhecido mascate, um “camelô” da roça. Vale esclarecer que a alpaca era um tecido barato de algodão, viscose ou qualquer outro fio brilhante. Ninguém abria mão do brilho na ocasião! Diziam que os fios eram dos pelos da alpaca, um animal originário dos Andes, um lugar situado em qualquer parte do mundo… Chiffon é uma palavra é de origem francesa, quer dizer “trapo”, Isso sim, condizia com nossa realidade! Mas o tecido era fininho e servia para fazer lenços para prender os cabelos. Você já imaginou que lindo, a folia chegando sob arcos de bambus e a mulherada toda com vestidos brilhantes e lenços no cabelo? Ninguém queria saber de pobreza e nem de crises. O que importava era a festa para cumprir a promessa. Se era cumprimento de promessa, então, ninguém poderia abusar. Em minha vida sempre foi assim: A dimensão religiosa comportava um clima de festa. Ainda penso que religião não pode ter gosto de soro caseiro. Hoje, como padre que sou, costumo valorizar muito as festas dos santos e, se não tiver um motivo especial para elas a gente inventa.
Parece que me lembro, ainda hoje, de ver as senhoras carregando sob o sol o quadro com a estampa de Santa Luzia embrulhada com um pano branco e um saquinho para juntar as moedas. Teve uma que acrescentou à devoção um voto de silêncio. Para pedir carregava três filhos que falavam por ela. E como falavam! Obviamente, que na hora do almoço ou café, o voto de silêncio poderia ser rompido sem prejuízo para o santo. O mais importante era que ninguém ousava negar a esmola. O almoço da turma também estava garantido. É claro que, naquele tempo, já havia esperteza. Mas, comparadas às de hoje não significavam nada.
A vida vai passando e o tempo muda rápido. Algumas coisas, entretanto, marcam-nos profundamente. Para confessar, morro de saudade das “pedideiras” e dos “pedidores” de esmolas… Eles acabaram ou mudaram de estratégia. Mas, as festas também mudaram bastante e, talvez por isso, a vida tem ficado bem mais chué...
Imagem de CESAR AUGUSTO RAMIREZ VALLEJO por Pixabay
O Sr é uma máquina do tempo. A gente aguava né. E tinha o homem do saco que vinham da colônia Santa Isabel. A gente morria de medo. Hoje às esmolas são pedidas em likes e compartilhar e comentar em canais de vídeo. Modernidade vsem graça.
ResponderExcluirMinha mãe tirava do armário do pouco q tinha e Deus não deixava faltar na nossa mesa
ResponderExcluirBoa noite padre Geraldo belicismo Testo até mim emocionei saudades quando moravam na roça que tinha folia de Reis gostei muito párabems lindas palavras
ResponderExcluirAdorava quando vinha visitar minha sogra e ela falava que folia de Reis ia passar. Achava lindo! Quanto tempo que não vejo. Me fez recordar padre.
ResponderExcluirQue viagem no tempo, era tudo que queria ter vivido, fico me deliciando com a riqueza da festa e do momento.Maravilha!!!!
ResponderExcluirSensacional transformar algo que viveu de forma simples em belas palavras, texto viciante, nos prende a cada detalhe. Obrigado por compartilhar.
ResponderExcluirComo gostaria ter participado destas festas de antigamente, leio os textos e me sinto dentro da história, sou grata por compartilhar suas experiências, tornando meus dias mais alegres. Abraços.
ResponderExcluirEu me lembro quando criança da folia de Reis, eles passavam nas casas levando alegria para as famílias. Confesso que tinha um pouco de medo daqueles homens fantasiados, mas era coisa de criança.
ResponderExcluirBons tempos Padre.
Meu querido Padre Geraldo Gabriel.. Meu Pastor de Almas...Pastor da minha alma...como o Senhor faz bem para nossa vida, para nosso pouco conhecimento, que tanto se eleva ao ler e reler seus belíssimos textos...Nunca me manifestei em seus belos e sábios escritos, por timidez e por não ter o conhecimento pleno das palavras, para tecer comentários sobre tão belos ensinamentos..mas hoje, o Senhor me retornou até a minha amada São José da Varginha, onde vivi uma infância maravilhosa, como filha única, ao lado da Casa Paroquial, até os meus 18 anos.. tinha tudo isso e um pouco mais...Tinha mesmo a nossa pura inocência.. como foi bom ler este texto... muito obrigada, por compartilhar conosco, diariamente, suas gotas de sabedoria...Deus lhe abençoe imensamente... Sempre...Peço sua Sagrada bênção...
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ResponderExcluir"A figura do “pedidor” de esmolas marcou minha infância de menino pobre da zona rural. De vez em quando, alguém, passava em minha casa, com um santinho na mão, pedindo uma esmola “pelo amor de Deus”. Às vezes, era para Santa Luzia"...
Padre Gabriel, eu tenho uma sobrinha que ao nascer teve um problema nos olhos e alguém da família fez promessa para Santa luzia curar a enfermidade dos olhos da menina e que ela cumpriria a promessa. de no dia 13 de dezembro durante tantos anos sairia pedindo esmolas para Santa Luzia. Foi atendida!
Texto maravilhoso! Revisitei minha infância. Em cada linha lida, ia recordando os acontecimentos que estão guardados no coração. Obrigado por esta pérola...
ResponderExcluirQue bacana , recordar é viver duas vezes. Uma grande viagem ao passado. Foi bem da minha infancia em Igaratinga Abraço
ResponderExcluirMuito bom... Louvor a Deus por sua vida Padre.
ResponderExcluirFicou mai chue mesmo lá em casa passava um pedinte com uma perna toda ferida, acho que ele morreu por que faz anos aue não o vemos mais. Velhos tempos que não voltam.
ResponderExcluirTexto maravilhoso! Uma lembrança de uma infância feliz.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirMuito bom! Meu tempo também. E que não volta jamais essa simplicidade de ser.
ResponderExcluirAgora, que eu tinha medo dos mascarados o Cravo e a rosa nas folias de Reis.....eu tinha!
Doces lembranças!
ResponderExcluirObrigada Padre por nos presentear com essas histórias que encantam do começo ao fim . A música linda também.
Infelizmente os pedidos de esmolas estão entrando até na missa mas pra comprar outras coisas. As pragas dos vícios
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ResponderExcluirA gente era feliz e não sabia ainda mim lembro o nome da senhora que ia na minha casa Fátinha o senhor faz a gente recordar de muita coisa nestas refeições
ResponderExcluirQue linda História cheia de bençãos e pedidos de esmola!Passa um filme na cabeça da gente.Tudo era festa.Quantas promessas,quantas esmolas,quantos pedidos.Cheios de fé, esperança e amor.Obrigada Padre Geraldo Gabriel,por relembrar na Igreja de Jesus,belos tempos de irmandade!...Que venho hoje relembrar com grande saudade!...
ResponderExcluirMuito bom gostei bastante.
ResponderExcluirQuando tudo era mais difícil, as coisas eram mais gostosas. A gente doava o que tinha, e sabia que estávamos fazendo algo sublime. Hoje quando doa, faz um PIX e ainda reclama da "pedição" desse povo.
ResponderExcluirEsse texto me fez lembrar muito minha infância, onde fui criada também tinham os pedidores de esmolas pros santos, parece que as pessoas tinham mais fé, hoje com tanta tecnologia quando pedem ajuda a gente nem sabe se é verdade ou é calotage
ResponderExcluirEu nasci em Belo Horizonte mas minha essência (pais) são do interior, meu pai São José da Varginha, minha mãe , Quinta do Sumidouro( Lagoa Santa) , vivia estes momentos em tempo de férias, e aliás saíamos de Belo Horizonte para estas festas que pra mim eram riquíssimas, esperávamos o ano inteiro para ir nas festas lá na Quinta, tudo lindo!!! Mês de Maio coroação. Cada cartucho do tamanho do mundo, kkkk , nós anjos ganhavamos ao final de cada coroação,a folia me assustava. E as esmolas Minha avó sempre recolhia de todos para levar e entregar no dia de cada festa. Isto pra nós , fazia parte de nossas vidas , da nossa fé, tinha o Congado , ainda tem, meu tio era Capitão, era maravilhoso, lembro de tudo com muita mas muita saudades mesmo, pra mim que era criança era festa com sentido realmente religioso.Quanta saudade!!!!
ResponderExcluirPadre que texto gostoso de ler! Saboreei do começo ao fim prazerosamenre, e ao final ainda nos presenteou com as folias de Reis que sempre encanta.
ResponderExcluirPenso que o Senhor teve uma infancia muito rica de cultura popular e que soube aproveitar bem pelas memórias descritas.
É na simplicidade que encontramos ricos momentos como o comer uma macarronada com queijo ralado.
Por fim termino pedindo que continue escrevendo ja que tem também o talento da escrita.