Linguagem poética
Sem imaginação a gente não entende bem a Palavra de Deus nem as palavras dos outros. Não podemos ler a Palavra de Deus como está lá, preto...
Sem imaginação a gente não
entende bem a Palavra de Deus nem as palavras dos outros. Não podemos ler a
Palavra de Deus como está lá, preto no branco. Alguns livros da Bíblia como o
Cântico dos Cânticos e Apocalipse, exigem imaginação de nossa parte. Ao falar
da “grande meretriz”, na literatura apocalíptica, ninguém vai imaginar que se
trata de uma mulher prostituta e sim da Cidade da Babilônia ou mesmo da Roma
antiga. Esse estilo literário usa muitos recursos para nos transmitir uma
mensagem: Cores, animais, números, elementos cósmicos...
Costumo dizer que, quem não
entende de poesia, dificilmente entenderá algum tipo de texto que nos comunica
através de imagens. Existe uma linguagem melhor para falar do amor que não a poética?
Quem não entende de poesia jamais irá entender a fala de Riobaldo, personagem
de Guimarães Rosa, no livro Grande Sertão Veredas. Para Falar de seu amor a
Diadorim ele usa imagens do tipo:
Diadorim é a minha neblina;
Com meu amigo Diadorim me abraçava, sentimento meu ia-voava reto para
ele;
Diadorim pôs mão em meu braço. Do que estremeci, de dentro, mas repeli
esses alvoroços de doçura;
Abracei a Diadorim, como as asas de todos os pássaros;
Que vontade era de por meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos
dele, ocultando, para não ter de tolerar de ver assim o chamado, até que ponto
esses olhos, sempre havendo aquela beleza verde, me adoecido, tão impossível;
Mas, os olhos verdes sendo os de Diadorim. Meu amor de prata e meu amor
de ouro;
Gostava de Diadorim, dum jeito condenado; nem pensava mais que gostava,
mas aí sabia que já gostava sempre;
A “beleza verde” para Riobaldo
estava encarnada ali, nos olhos de Diadorim. Talvez, seria mais fácil ter dito
que os olhos verdes de Diadorim eram belos. Mas, nesse caso, deixaríamos de
usar a imaginação, pois “beleza verde” pode significar muito mais do que, simplesmente,
olhos verdes... Em outro momento ele afirma que Diadorim (Reinaldo) o despertou
para apreciar a beleza:
Até aquela ocasião eu nunca tinha ouvido dizer de se parar apreciando
por prazer de enfeite, a vida mera deles pássaros, em seu começar e descomeçar
voos e pousação. Aquilo era para se pegar a espingarda e caçar. Mas, o Reinaldo
gostava: - “É formoso próprio...” – ele me ensinou. Do outro lado tinha vargem
e lagoas. P’ra e p’ra os bandos de patos se cruzavam. – “Vigia como são
esses...” Eu olhava e me sossegava mais. O sol dava dentro do rio, as ilhas
estando claras. – “É aquele lá: lindo!”.
Era o manuelzinho-da-crôa, sempre em casal, indo por cima da areia lisa, eles
altas perninhas vermelhas, esteiadas muito atrás traseiras, desempinadinhos,
peitudos, escrupulosos catando suas coisinhas para comer alimentação.
Machozinho e fêmea – às vezes, davam beijos de biquimquim – a galinholagem
deles – “É preciso olhar para esses com um todo carinho” – O Reinaldo me disse.
“O sol dava dentro do rio” – Que sol era esse cujo brilho rebatia
nas águas do rio? Sabendo que dentro do nome “Diadorim” existe algo dourado e
que no nome “Riobaldo” existe um rio, então, posso pensar que quem iluminava a
vida de Riobaldo era aquele que tinha o brilho do sol ou seja, Diadorim. Não
seria forçar a situação pois, a vida de qualquer pessoa ganha novo brilho
quando existe amor. Sendo assim, quem enchia de luz os dias de Riobaldo era
Diadorim.
Guimãres Rosa é especialista em
brincar com as palavras e arrancar delas um novo sentido. Por isso, sua leitura
exige muita imaginação. Em outras afirmações, presentes em sua obra, podemos
perceber isso claramente:
Ao falar sobre a mulher com a
qual se deitou, filha de “Malinácio”: Ela
era bonita, sacudida. Mulher assim de ser: que nem braçada de cana – da bica
para os cochos, dos cochos para os tachos...”
Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão
sempre mudando. Afinam ou desafiam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.
Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é as brutas; mas Deus é
traiçoeiro! Ah, uma beleza de traiçoeiro – dá gosto!
Ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente – o escuro,
escuros...
Nome de lugar onde alguém já nasceu, devia de estar sagrado.
Noite essa, astúcia que tive uma sonhice: Diadorim passando por debaixo
de um arco-iris. Ah, eu pudesse mesmo gostar dele – os gostares...
Como se pode perceber a linguagem
de Guimarães Rosa é riquíssima de imagens, carregada de cores e símbolos.
Talvez, por isso, alguns tem dificuldades em compreender suas obras. Nossa
linguagem está muito concreta. Desaprendemos de ler poesia e perdemos muito com
isso. Para grande maioria das pessoas “pau é pau e pedra é pedra”. Para os
poetas as pedras podem significar muita coisa. Pode traduzir até o temperamento
de alguém. Não foi assim que Jesus chamou São Pedro? – Pedro, tu és pedra e
sobre ti edificarei a minha igreja... Pense nisso!
https://pixabay.com/pt/photos/flor-planta-paz-interior-%c3%adntimo-5290931/
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirDifícil entender à linguagem de Guimarães Rosa quanto aos comportamentos das pessoas modernas. Guimarães Rosa ensina com profundidade. E as pessoas do nosso tempo o quê dizer.....
ResponderExcluirTudo de Guimarães Rosa nos encanta! Ele era facinante no jeito de ensinar.
ResponderExcluirSimplesmente perfeito!!!
ResponderExcluir