O desejo como causa de sofrimentos

  São Francisco de Sales, em seu livro “Filotéia”- Cap.37, afirma que nossos desejos se parecem ao das mulheres grávidas que “no outono dese...

 


São Francisco de Sales, em seu livro “Filotéia”- Cap.37, afirma que nossos desejos se parecem ao das mulheres grávidas que “no outono desejam cerejas frescas e uvas novas na primavera”.  Esse tipo de desejo é causador de grande sofrimento, pois está muito além de nossas forças ou capacidades atuais. Há um tipo de desejo que alimenta ambições e nada contribui para nossa felicidade. Quando eu era criança e colocava muita comida no prato minha mãe sempre dizia que eu estava com o “olho maior do que a barriga”. De fato, a comida sobrava pois, ali fora colocada, não em vista de uma necessidade mas, de ambição, de quem, na maioria das vezes, não tinha abundância de comida em casa.  Apesar de não ser bonito, isso era bem pequeno em vista do que constatamos hoje, no mundo adulto. A ambição de alguns, parece não ter limites! A pessoa já tem de tudo o que precisa e quer sempre mais. O olho cresceu bem mais que a barriga, que também não é pequena!

Conheci uma criança no interior de Minas, cujo maior desejo era comprar um navio. Morando em Pará de Minas, banhado apenas por um riozinho, de nada, seria bem difícil ao Miguel, testar sua aquisição. Miguel era o nome daquele menino que hoje já está crescido. Alguns adultos se parecem ao Miguel. Sonham em comprar navios mesmo não tendo onde usá-los! Seria bem melhor se contentassem com as canoas. Pelo menos, assim, poderiam passear com a família, de vez em quando, no Rio Paraopeba!  

Às vezes, sonhamos com coisas impossíveis ou muito distantes de nossa realidade e isso nos causa grandes sofrimentos, quase sempre, desnecessários. Alguns pais, sonham em matricular o filho no curso de medicina quando ele ainda nem completou o ensino primário.  Enquanto alimentamos sonhos distantes nos esquecemos dos sonhos possíveis. De nada adianta passar a quaresma toda sem beber e beber o equivalente no sábado de aleluia; pouco adianta ir à pé, em Aparecida, se não se frequenta a própria paróquia que fica a poucos quarteirões de sua casa...

Existe um mito grego do qual vou me valer nesse texto. Trata-se da lenda das filhas de Danau. Por alguma razão, elas foram condenadas pelos deuses a encherem de água um enorme barril. O detalhe curioso é que o barril não tinha fundos. Por isso, estão até hoje carregando água na peneira para encherem um barril sem fundos. Assim, somos nós e nossos desejos. Eles se parecem a um barril sem fundos. Aquilo que você tanto queria ontem, hoje foi desprezado. O mesmo irá acontecer com aquilo que você ainda deseja. E o pior é que isso acontece também com as pessoas. Antes do casamento ele era um príncipe, mas, antes do dia seguinte você só via um sapo e nada mais... Ainda anda a procura de príncipes e já carrega uma coleção de sapos sem perceber que, talvez, você também não passe de uma rã de pele escorregadia...

Vivendo numa sociedade de mercado como a nossa é importante que os desejos de consumo sejam sempre alimentados. A propaganda associa o ter e o possuir com a felicidade. Você começa a sentir a pessoa mais infeliz do mundo porque não comprou um peru de natal que já vinha com termômetro. Pior ainda, foi constatar que sua vizinha comprou a raridade! Triste sina a do peru! Ele mesmo deverá lhe avisar quando está pronto para ser comido!

Mas, então, para sermos felizes teríamos que eliminar nossos desejos? Seria isso possível? Bom, talvez, não seja. Mas, já seria um grande passo observarmos o mandamento: Não desejar a mulher do próximo, o marido da próxima, o boi, o jumento, a moto, o Smartphone... Esse mandamento, naturalmente, foi atualizado!  Se não conseguimos eliminar os nossos desejos, pelo menos, paremos de desejar o que é do outro. Isso já seria um grande passo. E digo mais: Desejemos aquilo que pode ajudar em nossa caminhada para o céu. Quem sabe poderíamos despertar ou alimentar mais em nós, o desejo de sermos santos? Pense nisso!  

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