Devoção e obrigação
Minha leitura de um livro, às vezes, não rende pois, à medida em que vou lendo, sinto vontade de escrever também. Já tentei ler tudo antes...
Minha leitura de um livro, às vezes, não rende pois, à medida
em que vou lendo, sinto vontade de escrever também. Já tentei ler tudo antes,
mas, quando chego ao final, já não me lembro dos sentimentos que experimentei ao
ler algumas páginas iniciais. Ao mesmo tempo que vou lendo uma obra, acabo
fazendo associações daquela obra com outras leituras que tive. Nem sempre, sou
feliz nessa amarração de ideias mas, vou tentar fazer isso, mais uma vez.
No capítulo XIX, do livro “Cidadela”, de Saint-Exupéry, me
detive para buscar outra leitura guardada nos porões do meu inconsciente. Uma
coisa se juntou à outra, você entende? Então vamos com calma. Em minha memória
estava guardado um texto chamado “História de Mineiro”, Dinah Silveira de
Queiroz. Deixo abaixo um link para que você possa conferir o texto na
íntegra(1).
Dinah expõe, com maestria, a grande devoção que nós,
mineiros, temos por Nossa Senhora Aparecida. Um pai, morador de Minas Gerais
ganhou de presente do filho uma viagem ao Rio de Janeiro, para conhecer o mar.
O filho sabia que esse era o maior sonho do pai. Uma vez no Rio, o pai foi
protelando, indefinidamente, a hora de visitar Copacabana. Quis saber do pai
qual a razão de tantas desculpas para não ver o mar. E foi então que o velho o
declarou:
- “Acho uma coisa tão
maravilhosa poder ir ver o mar que quero entregar a Nossa Senhora o meu
sacrifício. Meu filho, não se zangue. Vou voltar hoje mesmo para casa sem ir a
Copacabana”.
- “Mas por que, meu
pai? Por quê? Nem Nossa Senhora vai aceitar esse seu sacrifício. Todo mundo vê
o mar todo dia. Gente há que nem liga, passa pela praia e nem volta o rosto
para ele…”
Mas, a essa altura, o
velho já ia juntando os seus trens. Nesse mesmo dia voltou para sua cidade das
Minas Gerais, levando em sua imaginação a ideia do abismo de assombro que ele
jamais encontraria.
O velho mineiro do conto, colocou a devoção acima do seu
maior desejo, ou seja, conhecer o mar. Ofereceu esse enorme sacrifício à Nossa
Senhora e voltou feliz para sua casinha em Minas Gerais acreditando ter optado
pelo mais importante.
No texto de Saint-Exupéry, ele diz que precisamos distinguir
o “urgente” do “importante”:
“Mas, sempre aprendi a
distinguir o importante do urgente. Porque é urgente, claro, que o homem coma,
pois se não se alimentar deixa de haver homem e acaba o problema. Mas o amor e
o sentido da vida e o gosto de Deus são mais importantes. E não quero saber de
uma espécie que engorde. A questão que me coloco não é saber se o homem será ou
não feliz e próspero e bem alojado. Eu me pergunto, em primeiro lugar, quem é
esse homem que será próspero, alojado e feliz. Pois, aos meus lojistas ricos e
inchados pela segurança, prefiro o nômade, eternamente errante, e que persegue
o vento, pois a cada dia ele se torna mais belo por servir a um senhor tão
vasto. Se fosse obrigado a escolher, se
eu soubesse que Deus recusa ao primeiro a sua grandeza e só ao segundo a
concede, levaria o meu povo a mergulhar no deserto... O homem tem necessidades
de paredes para nelas se abrigar e transformar-se como a semente. Mas, também necessita
da grande Via Láctea e da imensidão do mar...
No texto, de rara beleza poética, Saint-Exupéry, nos diz coisas
muito importantes. Na verdade, a gente não vive para comer, a gente come para
viver; a gente não vive para trabalhar mas, trabalha para viver. Será que já
aprendemos essas lições? Com outras
palavras, Exupéry nos afirma que gostaria de levar o seu povo ao deserto.
Talvez, no deserto encontraríamos, com maior facilidade, o sentido de nossa
existência. Não era, exatamente, isso que as pessoas procuravam em João
Batista? Todos recorriam a ele buscando, na amplitude do deserto, o que não
encontravam nas cidades.
Eu sei que estamos sufocados de tarefas e deveres. Desde cedo
os pais entopem as crianças de quase tudo. Mas, será que não estamos esquecendo
de algo tão essencial como a devoção? Obrigação já temos demais! Mas, qual o
tempo reservamos para contemplar a Via- Lactéa, o pôr do sol ou o cair da
chuva? O mineiro da estória, pelo visto, sabia o que era mais importante. Por
isso, renunciou ao seu maior desejo e ofereceu o seu sacrifício à Nossa
Senhora. E você, sabe o que é mais importante na sua vida? Se você soubesse que
seria o último dia de sua vida, o que você mudaria nela? Quer um conselho? –
Não espere o último dia para fazer essa mudança!
1- https://lituraterre.com/2011/05/30/pra-mineiros/ - Consulta em 08/02/22.
Foto em destaque: Matriz São José - São José da Varginha, MG - Arquivo pessoal
Padre Gabriel é um gênio !!!
ResponderExcluirSem palavras padre, sei bem o que é importante na minha vida , se hj fosse o meu último dia eu mudaria algumas coisas sim, e são bem muitas coisas q não consigo nem enumerar, mas uma coisa eu não mudaria nunca, a minha família, eu faria tudo de novo pra ter os filhos que tenho e os netos que tenho.Eles sim são importantes.Meu amor a Deus, a Jesus e a Maria também permaneceria, queria sim aprender com Maria a silenciar no momento certo.
ResponderExcluirFico até com vergonha de comentar, perante a tanta riqueza e sabedoria que só o senhor tem padre. Agradeço a Deus por ter o senhor no meio de nós.
ResponderExcluirPrimeiramente digo que a vontade de escrever para quem gosta é despertada mesmo quando estamos lendo. Segunda reflexão do texto é o adiar dos desejos, não é o ideal na vida e sacrifica-los quando merece se fizer por merecer. Por uma fé grandiosa é muito nob
ResponderExcluirNão quero deixar de comentar sobre o capricho na seleção das músicas que abrilhantam ao final os textos.
ResponderExcluirMuito bonito suas palavras padre.Se fosse o meu último dia de vida eu faria como a música do titãs que diz tudo. Eu sempre tenho esperança que
ResponderExcluiralgo que está errado vai mudar.Me indentifico muito com a música acima.A única coisa que eu não mudaria é minha fé em Deus e Nossa Senhora que são meu alicerce.
Belíssimas palavras , muito bem postas em um texto que nos engrandece , nos faz pensar melhor sobre a possibilidade de nos mudarmos a maneira de ser , acrescentar o nosso gigante que é o nosso próprio eu que existe em nós....... Muito feliz a escolha da música que nos impõe coragem e determinação no nosso dia-a-dia .... enfim, parabéns,,,,,,,,
ResponderExcluir🙌🙌 maravilhoso
ResponderExcluirBelo texto! Sábias palavras.A vida e uma viagem cabe a nós aproveitarmos da melhor forma. A letra da música nos faz refletir que sempre a tempo de mudanças , sempre existe uma saída. Busquemos sempre Deus nos nossos dias. Parabéns padre.
ResponderExcluirMuito bom...Parabéns padre Geraldo.
ResponderExcluirMuito lindo sua reflexão hoje mesmo rezando o terço das famílias na capela sao José comentei um poco do evangelho e lembrei da minha vo q mi evangelizou era devota de nossa sra e não deixava agente dormi sem rezar como seria bom se os pais e avós ensinasem os filhos e netos a rezar o terço de n sra ao invés de ficar como o sr disse entupindo de outras coisas
ResponderExcluirShow! Seu gosto musical também!
ResponderExcluirEnquanto lia o final do texto lembrei de outra música do Titãs: Epitácio
Seus textos sempre me levam a um exame de consciência ,hoje estou passando por dias difíceis, muitas provações..
ResponderExcluirFé , nesse momento é o que eu preciso.
Obrigada Padre.
Realmente, precisamos ficar o essencial em nossa vida e viver cada dia como se fosse o último. O difícil é viver isso!!! Só Deus para nos ajudar!!!
ResponderExcluirÓtima reflexão!
ResponderExcluirPura admiração por esta mente brilhante!❤️
Obrigado, por não se omitir seu dom de escrever com tanta sabedoria e nos fazer refletir !!! Que previlegio nós temos !!! Parabéns !!!
ResponderExcluirBela menção a Antoine de Saint-Exupéry, reconhecido mundialmente por escrever "o pequeno principe" aqui você trás trechos de cidadela que é muito legal, gosto muito do livro "voo noturno" onde ele conta como piloto de avião que o mais importante não é perder nem mesmo a vitória é sim sobreviver para ver toda beleza existente no mundo, como seu personagem pequeno principe, Antoine de Saint-Exupéry desapareceu em um voo de reconhecimento e nunca mais foi encontrado. Ele dizia que era a melhor sensação estar pilotando e poder enxergar tudo de tão alto, ver a beleza em todas as coisas, a gratidão! essa não tem preço. Obrigado por cada frase compartilhada.
ResponderExcluirConsigo ver sua gratidão na foto acima, a igreja, saber admirar as coisas simples.
Arthur Schopenhauer já dizia, "A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir" seja grato!
..."O mineiro da estória, pelo visto, sabia o que era mais importante." Que Deus nos dê sempre essa sabedoria!
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