O céu refletido na enxada
Eu tinha espaços na alma e via Deus no reflexo da enxada molhada, enquanto capinava o arrozal. A roupa era pouca e a fome era muita. A com...
Eu tinha espaços na alma e via Deus no reflexo da enxada molhada, enquanto capinava o arrozal. A roupa era pouca e a fome era muita. A comida fria da marmita era um baquete dos deuses que saboreávamos assentados em qualquer moita de capim, que não estivesse mergulhada nas águas da enchente. Meu pai pitava, palitava os dentes e sonhava com farta colheita. Zezé fazia silencio de deserto enquanto eu, espantava os melros e pássaros pretos da lavoura. O sol a pino se refletia no lodo vermelho transformando-o num espelho. Assim, mesmo capinando a terra preta, a gente via o céu o tempo todo...
Descalços e com a água quase na altura dos joelhos, a
gente gastava boa parte do dia. Cada um, seguia capinando a sua “bêca” de arroz
formando um caminhozinho entre a verde ramagem. Nossa resistência nos fazia
suportar o peso do dia, o calor do sol e a terra resistente debaixo das
enxadas. No trabalho pesado a gente também ganhou resistência. Hoje seguimos caminhos
diferentes. Zezé se casou, teve filhos e agora tem netos. Eu me tornei padre e
sigo nesse caminho, perseguindo a santidade. Nosso pai, lá do céu, onde se
encontra, não se cansa de abençoar-nos...
Foto em destaque: https://pixabay.com/pt/photos/caminho-arrozal-cultivo-agricultura-6935905/
Que lindo!! Lembranças do passado nos remete boas lembranças.Parabens pelo som dom da escrita.
ResponderExcluirMuita sabedoria do querido Padre Gabriel que eu admiro muito Parabéns.
ResponderExcluirParabéns para o seu pai que como o meu pai nos ensinou a trabalhar! Muito real e belo o texto.
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