A ostentação do rico e sua falta de compaixão com o pobre
“O indigente está atormentado pela falta do necessário e se lamenta e levanta muitos acusadores e não deixa nenhuma rua sem percorrer, per...
“O indigente está
atormentado pela falta do necessário e se lamenta e levanta muitos acusadores e
não deixa nenhuma rua sem percorrer, perseguido por miséria, sem ter nem onde
passar a noite. Como conseguirá o infeliz dormir, atormentado pelo estômago,
cercado pela fome, desprotegido quando vem o frio ou quando cai o aguaceiro?
Você sai limpo de seu
banho, vestindo roupas claras, cheio de satisfação e euforia e se dirige à
esplêndida mesa que lhe foi posta. O outro, porém transido de frio e morto de
fome, dá voltas e mais voltas pela praça pública, com a cabeça baixa e
estendendo as mãos. O infeliz já nem tem ânimo para se dirigir ao
bem-alimentado e bem-descansado, pedindo-lhe o sustendo necessário, e muitas
vezes se retira coberto de insultos” (1).
O texto de São João Crisóstomo, já bastaria para nos
incomodar bastante. Quase dois mil anos nos separam desse santo que nasceu em
Antioquia, na Síria e, naquele tempo, ele já denunciava com profetismo as
injustiças contra os pobres. Sendo bispo, em Constantinopla, a grande capital
do Império Romano, percebia que parte das pessoas estava mais preocupada com
luxo e riqueza deixando os pobres em grande prostração. Como era de se esperar,
sua pregação rendeu-lhe diversas formas de perseguição incluindo dois exílios.
São João Crisóstomo morreu exilado em 407.
Veja bem como esse discurso é atual! Cresce cada vez mais,
entre nós, o número de pedintes, moradores de rua e marginalizados de toda
sorte e, ainda hoje, muitos torcem o nariz para não ver o que está evidente.
Inventamos palavras bonitas para esconder situações tristes. Assim, temos,
atualmente, grande contingente de “invisíveis sociais”, “trabalhadores
informais” e por ai se vai...
O Evangelho de São Lucas (Lc 16,19-31) traz um relato que merece
reflexão de nossa parte. De forma simplificada ele é chamado de “O rico glutão e
o pobre Lázaro”, quando, na verdade, poderia ser chamado de: “a parábola dos
seis irmãos ricos”. O rico, cujo nome não aparece no texto, diz, ao final do
mesmo, que possui cinco irmãos e pede ao “pai Abraão” que possa voltar da morte
para alertá-los. Apesar de ser chamado “filho” teve esse pedido negado pois,
segundo o relato, havia entre eles um “grande abismo.” Quem teria construído
esse abismo? Ele não seria consequência do abismo social que existia e ainda
existe entre nós?
É importante não ter uma visão simplificada da questão. O
rico não foi para o inferno porque era rico nem o pobre para o céu porque era
pobre. O rico não tinha a menor compaixão do pobre e nem se dava pela presença
daquele “invisível social” que estava diante de sua porta todos os dias!
Enquanto ele permanecia faminto o rico se vestia com roupas caras e se
banqueteava todos os dias!
Uma mania dos ricos, naquele tempo, era enxugar as mãos e os
pratos com os miolos dos pães. O que
sobrava caia pelo chão. Mas, nem essas migalhas o pobre podia apanhar! O único
consolo que possuia era a presença dos cães que, lambendo suas feridas, as
refrescavam. O rico foi para o inferno porque era esnobe e sem compaixão. Naquele
tempo já havia ostentação (2)!
Não deixa de ser curioso que, estando no inferno, ele chama
Abraão de pai e o mesmo o chama de filho. Pelo jeito não bastava ser filho de
Abraão para ter ingresso para o céu! Em vida essa filiação não foi traduzida em
gestos de amor e solidariedade. Conforme nos diz o texto, havia um grande
abismo entre os dois! Obcecado pelas riquezas alguns não mudariam de vida nem
se vissem um morto ressuscitado! A situação era grave! Nem um morto que
voltasse do além seria capaz de fazer aqueles ricos mudarem de vida!
Será que essa realidade mudou? Será que basta uma cesta de
natal para comprar o ingresso para o céu? Será que basta reformar uma escolinha
e continuar destruindo um rio inteiro para satisfazer a própria ganância? Será
que o ingresso para o céu pode ser comprado com meia dúzia de atos piedosos? Não creio! Talvez, seja necessário um novo nascimento de
nossa parte assim como foi dito, por Jesus, a Nicodemos. Mas quem estaria
disposto a nascer de novo? Nem mesmo se um morto voltar do além alguns não
mudam de vida...
O único personagem que tem nome no evangelho é o pobre. Ele
se chama “Lázaro,” ou seja, aquele a quem Deus ajuda. Curiosamente, só depois
da morte o rico o chama pelo nome. Em vida ele era um rosto sem nome, sem
desejo, sem expressão. Quem vivia pelo desfrute do paladar, após a morte, irá
se contentar com uma gota de água “para refrescar a língua”.
Dizem que a morte nivela todo mundo. Isso só é verdadeiro
para quem não tem fé, pois para quem acredita em Deus a vida continua mesmo após
a morte. Por isso, o Evangelho mostra duas situações invertidas. O rico morreu
e foi enterrado. O pobre foi levado para o “seio de Abraão”. Essa expressão é
muito rica. Ela lembra o encontro repousante com os antepassados (1Rs 1, 21)
num lugar de descanso e refrigério. Lembra, também, um lugar de honra do
convidado ao lado do dono da festa. Lázaro ocupou esse lugar de honra enquanto o
rico foi, simplesmente, enterrado.
Abraão, o pai dos judeus, recebe Lázaro e lembra ao rico que a
lei e os profetas sempre estiveram ao alcance dele em vida e que ainda estava
ao alcance de seus irmãos. Pelo visto, ele nunca observou a lei do amor pois,
jamais notou um pobre e faminto à sua porta. Ele não precisava se desfazer de
suas riquezas precisava antes, desfazer-se da falta de compaixão e empatia pelo
outro.
O Papa Francisco criticou, certa vez a “globalização da
indiferença”. Disse isso por causa da situação de penúria de muitos imigrantes
que buscam a Europa visando melhorar suas vidas e, nem sempre, são bem
acolhidos por lá. Disse ainda que perdemos a capacidade de chorar... Na verdade,
nos tornamos apáticos e sem compaixão diante do problema dos Lázaros de nosso
tempo. Por isso, considero que esse evangelho é de profunda atualidade e pode
provocar em nós uma verdadeira conversão. Tomara que isso, de fato aconteça!
1-São João Crisóstomo, Homilia sobre a primeira epístola aos
coríntios. Citado no livro: Por que a Igreja critica os ricos (Pe. José
Bortoloni – Roteiros homiléticos. 3ª edição. 2007. PP 683.
2- https://ggpadre.blogspot.com/2017/07/ostentacao.html
Imagem de CESAR AUGUSTO RAMIREZ VALLEJO por Pixabay
Para superarmos o grande abismo que há entre pobres e ricos é preciso colocar em prática o verdadeiro princípio social do Evangelho: Ama teu próximo como a ti mesmo! O abismo só pode ser transposto pela compaixão e um verdadeiro amor que partilha!
ResponderExcluirMuitos colocam o dinheiro na frente de Deus. E quanto faz isso tudo torna-se um abismo. Falta de compaixão para próximo é que mais existe.
ResponderExcluirBelíssima reflexão Padre Geraldo..
ResponderExcluirDeus o abençoe..