Ser Igreja

 

Já li, em algum lugar que a Igreja é o Corpo de Cristo tecido com nossa humanidade. De fato, é bom pensar assim, pois na Igreja, temos um componente divino e outro humano. O Concílio Vaticano II, na Lumen Gentium (Luz dos povos), usou a imagem “Povo de Deus” para falar da Igreja. A imagem é  bonita e nos lembra da caminhada do Povo de Deus, pelo deserto, em busca da terra prometida. Nessa longa travessia aconteceu de tudo! Não faltaram provações, recaídas, traições, idolatrias... Moisés teve que enfrentar muitas dores de cabeça para guiar aquele  povo. Ao que parece,  a situação não mudou tanto pois, hoje, muitos que estão nessa embarcação, também criticam quem está no leme. Na internet, o que não faltam são comentários maldosos sobre o Papa Francisco, os bispos ou padres. O pior é que esses comentários partem de dentro e não de fora! É como se alguém quisesse furar a própria canoa que o transporta.

No texto de hoje quero retomar uma leitura bíblica para falar da Igreja. Trata-se do texto proposto para a liturgia da Dedicação da Basílica do Latrão,  dia 09 de novembro. Esse nome “Latrão,” que nos é pouco familiar, foi uma herança da família romana “Laterani”. Essa família era dona de um terreno onde, mais tarde, foi construído um edifício que foi cedido ao Papa Silvestre I, por Constantino, Imperador Romano, no Séc.IV. A Basílica do Latrão, hoje, é a Catedral de Roma, pois o Papa, seja ele quem for, é também o Bispo da Diocese de Roma e, como tal, ele tem uma Catedral. A Basílica de São João do Latrão foi consagrada no ano  324 sendo, portanto, a mais antiga do Ocidente e um modelo para todas as outras.

A ocasião nos é propícia para pensar sobre a Igreja, sua missão e seu papel na sociedade. Mas, inicialmente, é importante esclarecer que, quando falamos da Igreja, não estamos pensando, apenas, de edifícios ou da hierarquia formada por papas, bispos e cleros. A Igreja é o conjunto do povo de Deus. Para esse povo que ainda sonha com uma terra prometida, a Igreja deverá ser uma fonte de água fresca. Quem caminha precisa tomar água.

A Imagem da água sobressai na leitura bíblica de Ezequiel. O Templo era o nascedouro dessa água pura, uma fonte inesgotável de vida:

O homem fez-me voltar até a entrada do Templo e eis que saía água da sua parte subterrânea na direção leste, porque o Templo estava voltado para o oriente; a água corria do lado direito do Templo, a sul do altar. Ele fez-me sair pela porta que dá para o norte, e fez-me dar uma volta por fora, até à porta que dá para o leste, onde eu vi a água jorrando do lado direito. Então, ele me disse: Estas águas correm para a região oriental, descem para o vale do Jordão, desembocam nas águas salgadas do mar, e elas se tornarão saudáveis. Aonde o rio chegar, todos os animais que ali se movem poderão viver. Haverá peixes em quantidade, pois ali desembocam as águas que trazem saúde; e haverá vida onde chegar o rio. Nas margens junto ao rio, de ambos os lados, crescerá toda espécie de árvores frutíferas; suas folhas não murcharão e seus frutos jamais se acabarão: cada mês darão novo frutos, pois as águas que banham as árvores saem do santuário. Seus frutos servirão de alimento e suas folhas serão remédio.

Essa leitura é muito preciosa para entendermos a missão da Igreja. Ela deve ser geradora de vida, fonte de esperança e saúde para os enfermos... A água que corria ao lado do altar vivificava tudo por onde passava. Que bom se pudéssemos dizer assim da própria Igreja! Mas, isso jamais acontecerá enquanto você pensar que a Igreja são os outros. Apesar de terem recebido o batismo, muitos ainda pensam assim. Quando falam da Igreja parece mencionar um grupo alheio a si mesmo. Outros pensam que a Igreja só deveria falar das realidades espirituais ignorando por completo os dilemas desse mundo. Esquecem-se que “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”. A encarnação do verbo não nos autoriza  ignorar as realidades humanas. Afinal, Ele se fez carne e habitou entre nós! Então, os nossos dilemas, nossas angústias  foram também assumidas por Cristo. Não dá para entender o homem dissociado dos seus problemas e a igreja não desvia de sua missão quando toca nos assuntos desse mundo. Quanta contribuição ela já deu, nesse sentido, ao tratar dos diversos temas, nesse sentido, durante as Campanhas da Fraternidade?

No cumprimento de sua missão a Igreja costuma ser criticada ao tratar de temas sociais. Mas, como falar de Deus, que é fonte da vida, num mundo que parece acostumar-se, tão facilmente com realidades de morte. Como Ignorar a tragédia que aconteceu, por exemplo, no Rio Paraopeba, em Minas Gerais, há pouco tempo? Esse Rio, que poderia gerar tanta vida ainda padece por causa da ganância de alguns!   Há pouco tempo cruzei uma de suas pontes e ao ver sua transbordante beleza, hoje em grande parte interditada, rezei e pedi perdão a Deus pelos nossos pecados. A inconsequência humana pode causar prejuízos incalculáveis em todas as formas de vida. Agora lhe pergunto: Cabe ou não à Igreja denunciar ameaças tão graves que afetam toda a nossa sociedade?

Foto: Imagem de Peter H por Pixabay