Sobre o Amor

  Triste sina a nossa! Mesmo sem condições de expressar certos sentimentos somos tentados a fazê-lo, o tempo todo. Nunca se falou ou escreve...

 


Triste sina a nossa! Mesmo sem condições de expressar certos sentimentos somos tentados a fazê-lo, o tempo todo. Nunca se falou ou escreveu tanto sobre o amor. Alguns, se consideram especialistas nesse tema. Apesar disso, a pergunta continua aberta. Podemos falar e refletir sobre o amor a partir de diversos ângulos. Mas, o que é o amor? Qual é a sua fonte? Que marcas ele tem?

São João nos diz que Deus é amor (1 Jo 4, 8). Assim, resumiu todo o mistério divino em duas palavras! Uma coisa, no entanto, me parece clara:  Temos dificuldades de entender o amor de Deus e um Deus que é amor! Talvez, o tema seja grande demais para caber em nossas cabeças. Como entender que um Deus que é amor possa ter entregado o seu Filho único a uma morte ultrajante como a morte de Cruz? Em nosso caso, se a gente pudesse, colocaria uma redoma para proteger a pessoa amada. O grito de Jesus na Cruz parece revelar-nos um profundo desamparo: Pai, porque me abandonaste?

Parte dessa resposta podemos encontrar num escrito de Rumi(1) chamado “Descrição do amor”. Vejamos o texto: 

O amante se prova verdadeiro pela dor em seu coração;

Não há mal como o mal do coração.

A dor do amante é diferente de todas as dores;

O amor é o astrolábio dos mistérios de Deus.

Pode o amante suspirar por este ou aquele amor,

Mas no fim é atraído ao Rei do amor.

 

Por mais que se descreva ou se explique o amor,

Quando nos apaixonamos envergonhamo-nos de nossas palavras.

A explicação pela língua esclarece a maioria das coisas,

Mas, o amor não explicado é mais claro.

Quando a pena se apressou em escrever,

Ao chegar no tema do amor, partiu-se em duas.

Quando o discurso tocou na questão do amor,

A pena partiu-se e o papel rasgou-se.

Ao explicá-lo, a razão logo empaca, como um asno no atoleiro;

Nada senão o próprio Amor pode explicar o amor e os amantes! (2)


Ao tentar explicar o amor, a razão se empaca feito burro no atoleiro. Isso, porque o amor tem a profundidade do oceano e a razão humana não consegue mergulhar tão fundo. Já que a razão ficou atolada na vã tentativa de explicar o amor, quem sabe não conseguiríamos explicá-lo, melhor, com o coração?   “O coração tem razões que a própria razão desconhece...”. Ou, quem sabe, não poderíamos explicá-lo melhor ainda através da poesia?  

 Manoel de Barros, um grande poeta brasileiro fala, de forma poética, da perda de sentido da palavra “amor” em seu poema “Ruína”. Vejamos:

 Um monge descabelado me disse no caminho: "Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo". E o monge se calou descabelado. (3)

Falar sobre o amor  é tarefa difícil para quem não o experimenta. “Quando o amante não sente mais as esporas do Amor, ele é como um pássaro que perdeu as asas”.  Quem o experimenta, no entanto, não consegue ficar calado. Assim, dizia o Profeta Jeremias: Eu dizia: Não falarei mais no seu nome (no nome de Deus). Mas, era como se houvesse em meu coração um fogo ardente, fechado em meus ossos... (Jr 20,9).

 Para concluir digo que o amor é o que há de mais lindo no mundo. Por isso, só pode vir de Deus que é sua fonte originária. O mistério é grande e profundo. Por isso, finalizo o texto,  antes que minha caneta também se parta em duas... 

1-Rumi (Maulana Jalaladim Maomé) nasceu em 1207, na Pérsia (atual Afeganistão). Foi um grande poeta, mestre espiritual e teólogo sufi. Escreveu suas obras na língua persa. Hoje são traduzidas em diversos idiomas.

2- Rumí, Maulána Jalal- ud-Din, Muhammad I, 1207 – 1273. Masnavi. Trad. De Mônica Udler Cromberg e Ana Maria Sarda. Rio de Janeiro; Edições Dervish, 1992 -   PP. 20

3- Manoel de Barros  |  “Poesia completa” (pp. 385-86)

Imagem de Adina Voicu por Pixabay 

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  1. Sentimento de amor não pode ser explicado apenas sentido e parece que tem variações
    conforme a sensibilidade de pessoas.
    O amor é sempre altruísta, mas vou destacar o amor que se liga à nossa fé. Quando convencemos de que nosso amor vai além das relações humanas, não tenho duvida que fomos tocados por amores divinos.






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