Rainha Jinga
O nome dela pode ser escrito de diversas formas: Jinga, Ginga, Nzinga Mbandi Kia Mbandi. Estamos falando de Dona Ana de Souza, um nome dad...

O nome dela pode ser escrito de
diversas formas: Jinga, Ginga, Nzinga Mbandi Kia Mbandi. Estamos falando de Dona
Ana de Souza, um nome dado pelos portugueses à soberana dos reinos de Dongo e
Matamba (1623) onde hoje está situado o território de Angola, na África. Nzinga
Mbandi (1582–1663), passou, inicialmente, para a história como uma mulher má e
pouco admirável. Atualmente, os historiadores tem nos revelado sua verdadeira
face. Além disso, é preciso conhecer o personagem dentro de seu tempo. Nesse
caso, não podemos ignorar a violência da colonização europeia sobre o
Continente Africano ou mesmo nas Américas. Qualquer pessoa que resistisse à lógica
cruel desse sistema seria também desfigurado. Isso aconteceu com diversos
personagens que resistiram à colonização. Até hoje nossa sociedade não se
libertou do racismo e do preconceito. Imagine, então, como isso acontecia no
Séc. XVI?
O Continente Africano, foi um dos
mais sofridos nesse período da história por ser fornecedor de escravos para
alimentar um negócio de proporção mundial, ou seja, o tráfico negreiro. Foi
nesse contexto que surgiu essa mulher hábil e guerreira que, na primeira metade
do Séc XVI desafiou o poder e as armas do rei de Portugal. Para preservar essa
memória foi erguida uma estátua dela com dez metros de altura diante do Museu
das Forças Armadas de Luanda, Capital de Angola. Em sua história se confundem
mito e realidade. No ano de seu nascimento ( 1582) estava acontecendo uma
verdadeira guerra entre os dominadores portugueses e os chefes africanos. Com a
morte de seu pai (Jinga Mbandi – 8º angola no Reino do Andongo) assumiu o poder
o seu irmão mais velho (O angola Mbandi). Esse para firmar-se no poder
matou sua madrasta, um irmão e um sobrinho que era o filho de Jinga.
Em 1617 o clima de hostilidade
entre portugueses e chefes africanos aumentou e o novo governador colonial
(Luís Mendes de Vasconcelos), invadiu o Reino de Andongo e construiu um forte
(cadeia) em Ambaca a poucos quilômetros de Cabaça a sede do Reino de Andongo.
Acuado o irmão de Jinga refugiou-se no interior até que um novo governador
(João Correia de Sousa), propusesse-lhe um acordo de paz em 1622. No encontro com o
novo governador Mbandi mandou sua irmã para representá-lo. Foi aí que Jinga
entrou na história.
No encontro com o governador
colonial Jinga apareceu coberta de joias e acompanhada por um grande grupo de
seguidores. No palácio do governador só havia uma cadeira destinada a ele
próprio. Os africanos deveriam assentar-se no chão. Foi então, que Jinga ordenou
que uma de suas escravas ficasse de quatro, e assentou-se sobre ela para falar
com o governador de igual para igual. Terminada a conversa Jinga levantou-se e
a escrava permaneceu de quatro no chão. O governador disse à Jinga que a
escrava agora poderia levantar-se, ao que ela respondeu: Não, senhor
governador, eu uso minhas cadeiras apenas uma vez e já não preciso mais dela
pois, não me assento duas vezes na mesma poltrona...
Nessa negociação com os
portugueses Jinga deveria abraçar o catolicismo. Foi nesse tempo que recebeu o
nome cristão de Ana de Sousa. Nenhum dos acordos, no entanto, foram cumpridos por
ambos os lados. Depois da morte de seu irmão, ela assumiu o governo de forma definitiva e voltou às
suas antigas práticas de fé. Fez aliança com os temidos guerreiros Jagas e
tornou-se a mulher mais temida da região. Desafiou, militarmente, o novo
governador Fernão Sousa. Esse por sua vez tentou contra ela um golpe de estado
que fracassou.
Cada vez mais poderosa Jinga
comandou conflitos de guerrilhas com as autoridades coloniais atacando os
agentes do tráfico de escravos (pombeiros) e seus comboios de escravos
(libambos) que viajavam do interior para o litoral prejudicando assim a
principal atividade econômica dos portugueses. Ao longo de quinze anos de
guerra arrebanhou um exército com mais de 80 mil guerreiros! Em maio de 1629, ela deixou o exército
inimigo em maus lençóis quando, simplesmente, desapareceu de um cerco, próximo à
Canguela, descendo por um precipício pendurada num cipó. Nessa batalha os
portugueses capturaram duas de suas imãs. Uma delas morreu posteriormente e a
outra foi trocada por muitos escravos numa negociação.
Em 1641 Jinga aliou-se aos
holandeses que saíram do Brasil, enviados por Maurício de Nassau, e nessa batalha conseguiram expulsar os
portugueses de Angola. Na ocasião partiram do Brasil, de Pernambuco, 21 navios
com três mil homens em direção à Angola. Aliados com Jinga, em menos de 48h
expulsaram os portugueses da região.
Ao final da vida, já convertida
ao catolicismo Jinga escreveu uma carta ao Papa Alexandre VIII, em 1657,
oferecendo apoio para as missões católicas em seu reino. Morreu com 81 anos
após receber a Santa Unção de Frei Cavazzi no dia 17 de dezembro de 1663.
Por sua bravura e coragem Jinga
pode ser comparada às grandes mulheres da história do Brasil e de Minas, como
Joaquina do Pompéu, Maria Tangará em Pitangui, e Dona Beija em Araxá. Hoje ela
sobrevive cantada em prosa e verso nos grupos de Congada e Capoeira. Apesar das
dificuldades esses grupos ainda se esforçam para preservar as histórias de seus
ancestrais.
Foto em destaque: https://pixabay.com/pt/photos/masai-%C3%A1frica-mulher-garota-585296/
Fonte consultada para esse texto: Gomes, Laurentino. Escravidão – Vol I. RJ – Globo Livros, 2019. Página 393
O que a vida quer de nós é coragem assim diz o grande escritor Guimarães Rosa.
ResponderExcluirPensar que a desumanidade da escravidão na África desconsiderou que somos todos filhos de Deus é muito triste.
Existiu e sempre existe mulheres fortes.