Tapera
As casas velhas e abandonadas me atraem e mexem com minha imaginação. Talvez, me lembrem algo que procuro esquecer, ou seja, a transitorie...

As casas velhas e abandonadas me atraem e mexem com minha
imaginação. Talvez, me lembrem algo que procuro esquecer, ou seja, a transitoriedade
da vida. Uma casa velha e abandonada
recebe o bonito nome de “tapera”, algo que me lembra, tempo e tempero. Uma
tapera em outros tempos, foi invadida pelo cheiro dos temperos e muitas
relações humanas foram temperadas e curtidas, naquele espaço, como se curte
pimenta nas garrafas. Ainda se pode ver velhas marcas nas paredes envelhecidas
ou no que delas restaram sobre escombros.
As crianças que brincaram por ali, certamente, morreram de velhas ou
restam esquecidas, sem memórias, em qualquer canto do mundo.
Uma casa velha é um baú de estórias e lembranças, sobre as
quais crescem juás e assa-peixes. Lagartixas se escondem em suas frestas
dividindo os espaços com cacos de porcelana e botinas velhas. É bem triste visitar uma tapera! No local só
existem ruínas daquilo que um dia existiu de verdade. Abelhas e marimbondos
disputam os espaços onde, antes, havia afetos. Uma tapera lembra a nossa
condição de pó e terra e só serve para abrigar abandono. Mas, quando chove,
algumas teimosas flores lhe brotam sobre ruínas...
O poeta Manoel de Barros, pelo visto, também sentia gosto em
apreciar o abandono e as coisas desimportantes. Vou citar um de seus poemas por
ver proximidade com o que escrevi:
Ao ver o abandono da
velha casa: o mato a crescer das paredes
Ao ver os desenhos de
mofo espalhados nos
rebocos carcomidos
Ao ver o mato a subir
no fogão, nos retratos,
nos armários
E até na bicicleta do
menino encostada no batente da casa
Ao ver o musgo e os
limos a tomar conto do
batente
Ao ver o abandono tão
perto de mim que dava
até para lamber
Pensei em puxar o
alarme
Mas o alarme não
funcionou.
A nossa velha casa
ficou para os morcegos e
os gafanhotos.
E os
melões-de-são-caetano que subira pelas
Paredes já estão dando seus frutos vermelhos.(*)
Barros, Manoel de. 1916 – Poesia completa. São Paulo: leya,
2010 – pp.372
Foto: Tapera - Arquivo pessoal
Toda tapera tem uma grande riqueza de história. Vida que existe ou que existiu é o que interessa,
ResponderExcluirafinal o ser humano tem que ser mais valorizado que qualquer construção física.