Um projeto de férias
ANTES DE LER ESSE TEXTO LEIA AS OBSERVAÇÕES AO FINAL... No momento que escrevo o texto que você agora lê, estou com barriga cheia, numa ...

ANTES DE LER ESSE TEXTO
LEIA AS OBSERVAÇÕES AO FINAL...
No momento que escrevo o texto que
você agora lê, estou com barriga cheia, numa sala confortável, diante de um
computador com meu relógio no braço e a companhia inseparável do celular. Ainda
há pouco, jantei e percebi que sobraram muitos restinhos de comida. Alimentei-me
ouvindo música e ruídos na rua. Mas, tudo seria bem diferente se eu estivesse
ainda no templo Zen Budista que visitei nesse período de férias.
Cansado da correria e das múltiplas
atividades que me cercam decidi que passaria alguns dias num templo budista com
Gilmar, meu sobrinho, que é adepto do Budismo. Juntos, seguimos para Ouro Preto
com destino ao “Pico dos Raios”, um dos pontos mais altos da região, onde já funcionou
um mosteiro e agora funciona o templo. O leitor, certamente, está pensando: “O
que um padre católico, vai fazer num templo budista durante as férias?” Quero adiantar-lhes,
que para muita gente, o Budismo não é religião, mas um jeito de viver. No
Budismo Zen não se professa a fé em uma divindade. Pelo menos onde estive o que
acontece são muitas meditações (“ZaZen”) ao longo do dia, intercaladas com
trabalho e estudo. A alimentação é extremamente simples e regrada. Não se come
carne nem se toma nenhuma bebida alcoólica. O objetivo de toda essa dieta
espartana, diga-se de passagem, é adquirir uma perfeição espiritual. É possível
que haja espiritualidade, mesmo sem que se professe uma fé.
No templo, o dia começa às cinco da
manhã! Todos se dirigem à sala de meditação. Depois fazem um pequeno trabalho (“Zafu”)
antes mesmo do regrado “café” da manhã.
Ninguém ocupa lugar à mesa sem a devida reverência (“Gashô”). Cada
refeição é seguida de um breve descanso. Às 10h o pessoal paralisa os trabalhos
(capinar, limpar, cuidar da horta...) para meditar novamente. Aí são mais 40m
em posição de lótus. A postura e o controle da respiração são imprescindíveis
para a meditação Zen. Após isso, a turma volta ao trabalho e só para com o toque
do almoço. À tarde o tempo é reservado para estudos, meditação e exercícios.
Apenas três refeições são servidas e quem não está acostumado com dureza sofre,
bastante.
Durante a permanência no templo
ninguém usa relógio ou celular. Não se fala alto, não se fuma não se faz sexo,
não se arrasta vasilhame, nem se canta a não serem os mantras, durante as meditações. Ninguém pode deixar
a comida sobrar na tigela. Após as refeições todos colocam um pouco de chá no
vasilhame e toma, para que nada seja desperdiçado. Participei disso tudo à luz
de uma mística cristã. Sempre que o alimento castigava-me, pensava no pobre que,
muitas vezes, nem aquilo possuía para matar a fome.
O templo de Ouro Preto, hoje
coordenado pela Monja Mariângela Ryosen, foi o segundo da América Latina. Já
foi bem movimentado quando abrigava um mosteiro em 1984. Em 1999 ele tornou-se
um templo (Um centro cultural) e sua atividade monástica foi transferida para
Pirenópolis em Goiás.
O Budismo foi fundado por Sidarta Gautama,
um príncipe indiano há 500 anos, antes de Cristo. Dividiu-se em duas linhagens:
Mahayana (da qual vieram o Tibetano, Terra Pura, Zen e Nitiren) e Theravada (da
qual vieram o Nyimpa, Skyapa, Kargyupa e Guelupa, que é pregado pelo Dalay
Lama).
Quem busca o Budismo seja como filosofia
de vida ou religião quer um aperfeiçoamento espiritual e ético. Todos, sem distinção
valorizam a busca da paz, do amor, da harmonia dos homens entre si e com a natureza.
Como é constituído de pessoas humanas não está isento e erros ou falhas como qualquer
outro grupo. Não pode ser “canonizado” ingenuamente como um grupo perfeito.
Onde está o ser humano as falhas também se fazem presentes.
Visitar o Budismo não me fez budista,
mas certamente me fez lembrar práticas fundamentais do Cristianismo. A
disciplina na oração, a simplicidade, o amor ao próximo, a abnegação e a
solidariedade com o outro são valores essenciais em minha fé cristã. Não
podemos ter um cristianismo de fachada e nem vergonha de professar a fé em
cristo. Se tenho o direito a alguma vaidade certamente devo-me “envaidecer” por
ser cristão. Sei que minhas fraquezas impedem-me de uma iluminação como resultado
de busca pessoal. Mas, ainda assim, confio na misericórdia de Deus que me
ilumina e que morreu para que eu não vivesse para sempre nas trevas.
Pará de Minas, 12/01/05
OBSERVAÇÕES
Em conversa com Serginho, que é meu companheiro de trabalho ele me passou
esse texto escrito há mais de 18anos! Ele nasceu como um simples relatório de
uma experiência de férias. Graças a Deus eu ainda estou vivo e Gilmar também
está. Eu continuo padre e ele continua Budista. Apesar disso, somos grandes
amigos e as religiões diferentes nunca foram impedimentos para nossa amizade.
Creio que isso sirva de testemunho para quem gosta tanto de muros e separações.
Hoje, tanto eu quanto ele crescemos muito nesses assuntos. Mas, nossa amizade
continua forte e inabalável. Decidi
republicar o texto, pois aquela experiência fez parte de minha história. Espero
que o leitor goste de ler! Agradeço por compreender e peço que deixe o seu
comentário no blog. Desde já, muitíssimo obrigado.
Foto em destaque: https://pixabay.com/pt/photos/budismo-m%C3%A3os-postas-monges-ora%C3%A7%C3%A3o-1845861/
Gostei demais da matéria e da entrevista, e não me surpreendeu que o senhor tratasse com todo respeito e admiração a quem exercita sua fé de forma diferente. Parabéns por ter escolhido uma rica experiência de férias.
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