O Mascate
Alguns dos meus leitores, provavelmente, ainda se lembram da figura do mascate(1). Ele foi o antecessor do “camelô” moderno. No sentido ...

Alguns dos meus leitores, provavelmente, ainda se lembram da
figura do mascate(1). Ele foi o antecessor do “camelô” moderno. No sentido mais exato da palavra, ele era um “vendedor ambulante”. Na verdade, mais “ambulante” que
vendedor. Ia de casa em casa, carregando
nas costas, sua mala de mercadorias que, apesar de surrada, atiçava os sonhos de
consumo de muita gente, antigamente. Esse mérito do mascate, hoje, foi em
parte, apropriado pela televisão e internet.
Existem mil e um canais especializados em vender quinquilharias aos
telespectadores menos avisados. São capazes de “entubar” ao telespectador,
desprevenido, até a lâmpada de Aladim, com manual e tudo. A eficiência para "engalobar" é tamanha, que junto
à lâmpada, o consumidor compra também, o remédio para acordar o gênio, caso ele
esteja dormindo lá dentro da lamparina.
Diferentemente da TV, o mascate não era apenas um distribuidor
de sonhos, pois, conhecia as pessoas e sabia do que elas mais gostavam. Havia entre ele e os "clientes" uma boa relação humana. Se a mulher era vaidosa, “vendia os olhos da
cara”, para comprar óculos escuros e ficar na moda. O colar, não importava que fosse de
ouro, ou não, mas era fundamental que brilhasse... A cliente sabia que ninguém,
nas proximidades, iria usar o mesmo tecido que ela comprou do mascate. Nesse pormenor,
o tamanho da mala ajudava. Cabia somente aquele pedaço de pano que era “coisa
rara”. Aliás, tudo na mala, era coisa rara, inclusive ela. Abri-la, era descobrir o
verdadeiro “baú da felicidade.” Não teria sido o mascate o responsável, em
última instância, por essa expressão que já foi tão famosa entre nós?
O bom vendedor sabe que ninguém vende, apenas, mercadorias.
Vende sonhos! Comprar o “falso brilhante” era exercer o poder de
impressionar. O terno listrado, nem me falem! Deixava mudo o concorrente. E
pensar que já usei um assim...
O mascate era um vendedor que inspirava confiança. Após a
sessão de vendas, ia parar na cozinha do cliente, onde tomava café, limonada e
perguntava pela família e vizinhos. Assim, ele se tornava íntimo e
se
inteirava dos segredos de todos. Sabia
que sua próxima visita coincidia com as vésperas do casamento de fulano ou a
morte do cicrano, que andava mal das pernas. “Por acaso” na próxima visita, incluía, na mala, um corte de pano preto, que poderia servir para o luto, e também alguns pares de alianças. As alianças
teriam vendas certas. Quanto ao pano de luto, isso era meio arriscado. Talvez,
vendesse as novas alianças também à viúva, que já andava cheia de segundas intenções. Por isso, o
Mascate era a pessoa mais certa das horas incertas.
Atualmente, vivemos sob o império da TV e internet. Mas, elas
são vendedoras frias e mal conhecem os perfis dos clientes. Talvez, por isso,
ainda existam vendedores ambulantes ou sacoleiras que vão de casa em casa e se dão muito bem. Obviamente,
os tempos mudaram e aumentou muito a desconfiança entre nós. No tempo do mascate ele podia contar com uma
grande aliada: a inocência das pessoas!
Hoje, a bandidagem cresceu e quase não se pode confiar em ninguém. Os
assaltos acontecem até mesmo à distância e aumentam, à cada dia, os golpes, por telefone ou internet. A ladroagem moderna é malabarista, pois, caminha pelos fios. Apesar disso, os mecanismos básicos de uma boa
venda como, empatia, sedução e convencimento ainda sobrevivem. A familiaridade
entre vendedor e comprador, no entanto, virou saudade. Eu sempre compro no mesmo
supermercado há anos e eles ainda perguntam o meu nome... Aliás, o atendimento nos
supermercados, atualmente, com raríssimas exceções, merecem nota zero!
As vitrines atuais são versões modernas das antigas malas dos
mascates. O número das mercadores, no entanto, é infinitamente maior. Mas, o ser humano, “elemento” necessário,
numa relação de compra e venda, você sabe por onde anda?
1- A palavra "Mascate" (Masqat) deriva de uma cidade árabe de mesmo nome, na costa do atual Omã, conhecida por ser a cidade natal dos árabes que vieram para o Brasil, para trabalhar com o comércio.
No Brasil já tivemos a "Guerra dos Mascates" - Conflito entre senhores de engenho de Olinda e comerciantes portugueses de Recife, na capitania de Pernambuco, entre os anos de 1710 e 1711.