Que não morra a piorra!

  Infância de criança pobre é sempre muito dura, mas cheia de encantamentos. Como conheço o problema, de perto, posso falar sobre ele com mu...

 


Infância de criança pobre é sempre muito dura, mas cheia de encantamentos. Como conheço o problema, de perto, posso falar sobre ele com muita propriedade. Um dos grandes desafios da criança pobre está na confecção dos brinquedos. Confecção é a palavra certa, pois “comprar” é palavra proibida. Confeccionar brinquedos, portanto, foi especialidade de minha turma: O carretel de linhas usado se transformava num possante trator; o retrós se transformava, num piscar de olhos num carro de luxo. E assim, por diante.

Menino criado na roça, como eu fui, não reclama de matéria prima para seus brinquedos. Nesse quesito o sabugo de milho vale ouro! O mesmo se diga de um caco de telha ou cabaça quebrada. Quantas vezes fiz violãozinho arrancando gominhas das botinas de meu pai e prendendo-as nas bordas de uma cuia! (metade de uma cabaça cortada). Naquele oficio, sentia-me um verdadeiro Orfeu! É bem verdade que isso me custava muitos cortes nos dedos e puxões de orelhas por danificar as botinas. As frutas do mato também contribuíram, sobremaneira, para minha indústria de brinquedos. Não dava para contar quantos boizinhos eu fiz de lobeiras. Num toque de mágica a gente transformava as frutas de lobos, em animais de estimação que puxavam carros e arados no centro da cozinha.

Sempre achei o pião mais sofisticado que os outros brinquedos. Era quase impossível confeccioná-lo sem ajuda de um adulto. Quem tinha um pião era alvo da inveja e cobiça dos outros meninos.  Apesar da dificuldade de ter acesso ao brinquedo, nada me encantava mais que um pião girando, sobretudo, quando parecia fixo, enquanto girava. O pião “dormia” enquanto a gente babava! Piorra raramente a gente via.  Era brinquedo de menino rico e tinha que ser confeccionado na indústria.  As nossas, feitas com metade de carretéis usados, nunca funcionavam direito.  Rodar, até que rodavam, mas, “dormir” que era bom, nada!  Apesar de raras, as piorras nunca saiam dos nossos sonhos.

Recentemente, fui surpreendido, quando um amigo confessou-me ter comprado um joguinho para o seu filho. Chamava-se Minecraft, ou mão de craque, mão na cara ou  qualquer coisa assim. Na hora não perguntei nada sobre o tal “mão na cara” para não confessar minha ignorância. Mas, com um nome esquisito assim, deveria fazer mal para as vistas, pensei. Na hora lembrei-me da velha piorra. Era tudo mais simples, mesmo sendo ela a rainha dos nossos sonhos!

Para quem não conhece uma piorra, vou explicar: Ela é a mulher do pião sendo um pouco mais chata que o marido. Por ser chata, de natureza, a gente colava nela alguns adesivos para torná-la mais agradável. Esses adesivos mudavam de aparência quando ela girava o corpo sobre si mesma. Dizem que as piorras modernas dão até leite! Carregam luzes coloridas e tocam musiquinhas infantis. Será isso tudo mesmo? Tomara que continue exercendo sobre a criançada de hoje o mesmo encantamento que exerceu no passado. Quanto ao “mão na coisa” eu prefiro nem comentar...

Foto: Imagem de Pexels por Pixabay

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  1. Fez-me lembrar minha infância. Confeccionei a maioria de meus brinquedos. Tudo tinha mais valor, além de unir muitos amigos para os momentos de lazer. Hoje há muito individualismo, falta de cooperação e amizade. Falta interação e prazer no ato de brincar.

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  2. Linda reflexão. Relembrar a infância é tão bom. Antigamente tudo era mais gostoso.

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  3. Tempo bom, jogava bola com lobeira ou fazia carrinhos,partia a lobeira e fazia as rodas ou então,fazia os boi com bucha verde de tomar banho pegava um pneu velho de charrete ou de jeep, e ficava empurrando e correndo atrás,saudades.

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  4. Realmente infância de criança que nasce em berço rico é bem diferente de berço pobre.
    interessante que os brinquedos fabricados pelas crianças que não pode comprar é de muito mais valor, mas se enxerga assim depois de adulto, porque o sonho de crianças é ter o que outras criancas tem.
    Infancia passa muito rápido, e que a marcas deixadas nesta fase, sejam apenas de satisfação em suas brincadeiras.

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  5. Realmente não podemos comparar os brinquedos de antigamente com os de hoje. Mas tenho certeza que os manuais que deram muito trabalhos para as confecções, tiveram mais importância, alegrias nas vidas das crianças.
    Hoje com a tecnologia as crianças nem dão tanto valor, pois recebem prontos, alguns nem sabem a origem de tais brinquedos, nem tanta graça acham.
    Meu ponto de vista.

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  6. Voltei no tempo agora ao ler esse texto lindo!!!
    Doces lembranças!
    Música linda, foto linda...
    Obrigada

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  7. Infância é uma coisa de criatividade né. Pra mim ela vai muito além da condição financeira. Me lembro de quando chegou lá em casa a primeira TV com controle remoto. A televisão pra mim não fazia a menor diferença em relação à anterior, mas o controle, esse sim, na minha cabeça de criança, ele se transformava numa nave espacial, altamente tecnológica, saída de Star Wars 😅 Ao mesmo tempo, lá na cozinha minha avó fincava palitos de fósforo nos jilós pra eu brincar de "boizinho". Com objetos as vezes sem sentido algum, era possível criar mundos.

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