O dia que morri
O dia que morri era um dia enfeitado de sol mas, só fui saber disso depois do ocorrido. Soube do acidente porque fui ligando os fatos paul...

O dia que morri era um dia enfeitado de sol mas, só fui
saber disso depois do ocorrido. Soube do acidente porque fui ligando os fatos
paulatinamente. Mas, para poupar a curiosidade do leitor vou fazer uma
descrição pormenorizada do ocorrido que, em hipótese alguma, chamarei de
sinistro. Aliás, tenho pavor dessa palavra desde quando era vivo.
Estava eu em algum lugar incerto enfrentando dificuldades com o carro que teimava em não subir um morro. Então, percebi que alguns amigos surgiram, do nada, para empurrar aquela furreca morro acima e um desses amigos já havia morrido também. De sua fisionomia eu bem me lembro. Quanto aos demais, não posso afirmar com segurança que já os conhecia anteriormente. Naquele instante eu mesmo me julgava vivo e só fui mudando de opinião, aos poucos, com o passar do tempo e o desfilar de outros acontecimentos. Em seguida, por alguma razão, acabei de subir o morro numa pequena motocicleta da qual voei ladeira abaixo e o resto você já pode imaginar.
Vencido o primeiro instante,
um misto de espanto e terror, o que veio em seguida foi, simplesmente,
maravilhoso. Enquanto "voava" pelo despenhadeiro contemplei, num raio de segundo,
a beleza do cenário que me esperava. Sempre gostei de ver as árvores de cima
para baixo e isso, talvez, explicasse o meu gosto por subir nas mais altas quando criança. Em vida, invejava os pilotos que voavam baixo e assim contemplavam a paisagem
como quem contempla a paleta de uma aquarela. Agora quem contemplava tudo era
eu enquanto flutuava sobre a tela, e via um misto de variadas cores, pássaros e
borboletas. O sol brilhante mostrava a ação do vento que suspendia da terra as
folhas mortas e as palhas secas. Feito um Saci de pernas eu pude brincar no
redemoinho, vestido de luz e embriagado de contentamento. Já seria o céu tudo aquilo que vivia? Afinal,
eu não deveria estar chorando ou me contorcendo em caretas diante do fantasma
da morte?
A realidade que me impunha de forma imperativa, nem de longe,
fazia me lembrar do meu triste fim. Triste? O que me dominava era uma completa
satisfação e um sentimento de profunda integração com tudo ao meu entorno. Por
isso, fiquei ali algum tempo me rodopiando ao vento sentindo na pele as carícias
do sol e no olfato um delicioso cheiro de mãe. Do acidente nada mais me lembrava e
estando repleto de mim, recebia, gratuitamente, o elixir da felicidade. Eu não
vi Deus. Eu estava nEle, assim como uma criança que, no útero da mãe, também não
lhe vê o rosto, apenas sente que é parte daquele corpo. Só então, pude compreender que estava morto.
Mas, como chamar de morte aquele estado de plenitude? Estava bem e não sentia
falta de nada. Uma criança pode sentir fome ou chorar no útero que a envolve?
Hoje não perco mais tempo. Aliás nem tenho mais esse artigo
chamado tempo. Só tenho eternidades. Resgatei o meu lado criança e pulo de
nuvem em nuvem. Para descansar fixo estrelas no arco-íris. Hoje perdi aquilo
que me fazia perder o essencial na vida. Agora só tenho a Vida na qual mergulho
como quem se afunda num oceano repleto de corais e algas azuis. Um anjo que me
acompanha, também vestido de azul, sussurrou-me aos ouvidos que irei contemplar
a face de Deus. Acho que quando chegar esse dia morrerei de alegria. Ah, desculpe-me,
por vezes me esqueço que já morri. Aos que ficaram o meu abraço!
Morte em vida e vivo. Como passamos mortos correndo atrás do rabo. E agora com menos tempo de vida nos falta a força pra saborear a vida. Bela reflexão
ResponderExcluirNossa Senhora Aparecida! Depois de escutar a música que realmente entendi o que o Senhor quis com este texto! Oxalá demore muitos anos.
ResponderExcluirQue triste mas entendi ao final com a música do Teixeirinha. Oxalá demore muitos anos!
ResponderExcluirRealmente escrever sobre o tema morte com leveza é para poucos, melhor dizendo, para quem tem o talento da escrita.
ResponderExcluirA crônica não nos envolveu no lado trágico, mas criou uma fantasia que se tornou interessante e agradável a leitura.
Parabéns e que continue nos presenteando também com os textos.
Gostaria de deixar aqui uma frase bonita desse texto, mas ele é bonito do início ao fim...
ResponderExcluirO autor me fez imaginar que esse menino quando pula de nuvem em nuvem ...seria o Padre Gabriel quando criança, mas não poderia ser ..
Que belo texto! Acho que todas as pessoas deveriam ler este texto aceitariam a morte melhor porque começariam o desapego as coisas terrenas, a música é o complemento.
ResponderExcluirImagino que deve ser muito semelhante quando chegarmos lá, melhor dizendo se formos ao encontro do Senhor.... Porque se não formos , a história mudará totalmente.... Temos que refletir mais sobre a morte do corpo e da alma. Escreva mais Padre Gabriel, são muito bons suas reflexões. Abraço 🤗
ResponderExcluirEnquanto lia , viajei na morte , realmente como comentário da Célia , se formos ao encontro de Deus e lindo, um sonho ,se for ao contrário um verdadeiro pesadelo.. E tudo depende é de cada um , as nossas escolhas !! Cida Assis
ResponderExcluirPadre Gabriel, achei belíssima esta descrição da morte! Dá "vontade de morrer" para voltar pra Deus!
ResponderExcluirEnquanto eu lia, meu coração ficou deslumbrado imaginando a felicidade deste encontro com o nosso Anjo e com Deus Nosso Pai!
Parabéns pela incrível reflexão!
É um tema tão difícil, né?
ResponderExcluirMorte.
Eu ainda acho,
embora saiba que essa é nossa única certeza.
Não tem pra onde correr,
ou pra onde voar,
ou pra onde saltar.
O que vem depois...
talvez tudo,
talvez nada.
Bom,
ainda acho bem difícil.