O nascimento de um texto

  Amanheci inspirado naquele dia. Estava com uma enorme coceira nos dedos e, queria escrever. Necessitava traduzir na escrita, toda minha ag...

 


Amanheci inspirado naquele dia. Estava com uma enorme coceira nos dedos e, queria escrever. Necessitava traduzir na escrita, toda minha agitação interior. Dentro de mim, havia um caldeirão fervente. Mas, não era um caldeirão desses modernos. Era daqueles de ferro, que depois de aquecido, cozinha três dias sem parar. Acho que esse tipo de caldeirão nem no Chá de Panela tem – a provocação aqui vai para o meu amigo Misael.  Por falar em caldeirão, devo admitir, que a mistura acertada das palavras, tem o mesmo sabor das feijoadas. Faz bem ao corpo e ao espírito...

Um dos meus leitores leu o que escrevi e depois, comentou: Nossa! Foi você que escreveu aquilo!? Eu não entendi bem o “aquilo”, mas notei que havia em sua fala uma mistura de inveja e reprovação.  Falando daquele jeito me incriminava como se eu tivesse gerado um fruto maldito. Meu Deus! Pensei, será que o texto está ruim assim?  Apesar disso, passei o texto para frente.  Não queria alterá-lo para não trair a ideia inicial. Para falar a verdade, o texto não era, totalmente, meu. Um oráculo interior reivindicava sua autoria. Caso contrário, como explicar o fato dele ter aparecido inteirinho em minha cabeça?

Depois de publicado, meu texto foi lido por muita gente e outro leitor comentou comigo: Seu texto, publicado no jornal foi uma bênção em minha vida! Como você conseguiu apreender num único texto tantas ideias interessantes?  Esse leitor também não sabia que o texto não era uma obra pessoal. Perdeu autoria e ganhou autonomia caindo em domínio público. Após ganhar vida pública um texto quase se torna um personagem com vida própria. Passa a ser amado por uns e odiado por outros. É provável que alguém tenha guardado o jornal e outros o tenham usado para enrolar rapadura. Ainda se enrola rapadura com jornal? Eu não sou escritor famoso. Quando se é famoso, qualquer bobagem dita ou escrita vira celebridade. Imagina que delícia seria ler uma bobagem escrita por Drummond ou Guimarães Rosa?  Se alguém me me falasse que enrolou rapadura com o meu texto eu ficaria feliz pois sou amante da dita cuja.

De vez em quando me questiono: quais seriam os critérios para se avaliar um bom texto? Seriam pela forma, pelo conteúdo ou pelo casamento das duas coisas?  Existem conteúdos que são tão imateriais que nem parecem existir. Quando abordam a realidade, o fazem sempre pelo avesso, como se avaliassem uma foto pelo negativo. Quem já leu Manoel de Barros, sabe o que estou dizendo. Existem formas deformadas que de tão disformes se harmonizam no mosaico encantador de seu fazer poético.

Escrever é uma atitude abusada, de quem externaliza, parte do que carrega dentro de si. Escreve bem, quem diz primeiro, o que outros queriam falar e, por motivos diversos, acabaram não dizendo. A qualidade de um texto depende da qualidade do olhar. Depende de como a gente olha a vida, as pessoas e a realidade. Depende também de quando a gente olha e, por mais que se esforça, não consegue ver quase nada. Mas, algumas pessoas conseguem ver mais do que os outros. Veem coisas antigas com olhares renovados. Assim, na alquimia das palavras, o velho aparece com cara renovada. O que sempre nos foi familiar passa a nos surpreender. Quem já leu a crônica/conto “O ovo e a galinha”, de Clarice Lispector entenderá bem isso. Quando olho um ovo eu só vejo um ovo, até meio sem graça, para falar a verdade. Clarice olhou um ovo e viu um mundo! Ouça o texto no vídeo abaixo. 

A  graça de um texto é a capacidade de nocautear o leitor. Como seria bom se a gente partilhasse, ainda que seja um pouquinho só, da virtude dos grandes escritores. Assim, a gente poderia sair nocauteando todo mundo.  Nesse caso, a vida teria mais sentido e cada situação poderia nos surpreender. Somente a rotina perderia  espaço no constante parto das novidades. 

E louvada seja a arte de escrever. 

Para sempre seja louvada! 

Amém.

Imagem de Myriams-Fotos por Pixabay

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  1. Gosto dos textos do Senhor, porque tem vida. É como se estivesse ouvindo o Senhor falando a minha frente, é bom de ler.

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  2. so uma mente potente pra ter essa anologia do ovo

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  3. Padre Gabriel, amo tudo que o Senhor escreve, fala e vive. Tudo me faz achar lindo, maravilhoso e por vezes inquietante também. Já aconteceu de eu não entende partes de um texto logo na primeira leitura, mas ao reler ficou claro. Continue escrevendo gravando que nos faz muito bem! 🙏🙏🙏

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  4. Amei como amo tudo que o senhor escreve e grava. Parabéns e obrigada por tudo.

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  5. O dom que Deus te deu e bem aproveitado pelas pessoas que te conhecem. Críticas serão cada vez mais constantes, mas aqueles que apreciam seus textos, sempre serão crescentes. O senhor veio ao mundo para fazer algo diferente, e esse diferencial está na evangelização.

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  6. O dom que Deus te deu, é bem aproveitado pelas pessoas que te conhecem. Críticas serão cada vez mais constantes, mas aqueles que apreciam os seus textos, crescerão também. O senhor veio pra ser diferente e o diferencial está na forma de evangelizar. Parabéns.

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  7. Ato de coragem é o de externar na escrita o que tem na mente, e no coração. O Senhor vez muitas reflexões da ação de um escritor. Não precisa nunca invejar grandes escritores porque seus escritos já demonstraram que tem talento e se recebeu este talento não pode nos privar de ler quando vier a vontade e consequentemente a inspiração. Faço votos de continuar com a coragem e nos presentei sempre com os escritos. É sempre prazero e o Senhor nos nocateis sim. Abraço

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