Fastio

 

Conheci no nordeste a palavra “fastio”, aplicada às pessoas. De certo, já ouvira meu pai aplicá-la aos animais doentes, sobretudo, aos porcos. Porco enfastiado era aquele que se negava alimentar. O fastio no chiqueiro pedia benzeção.  Podia ser mau olhado ou inveja. Sendo sobrenatural, as duas coisas se cruzavam, facilmente. Por isso, meu pai benzia fazendo cruzes. O porco enfastiado ia ficando magro, cada vez mais. Parecia até chorar, pois era comum verter um riozinho de água na mina de cada olho.

Hoje, concordo com os nordestinos e acho que, o ser humano, também pode ser afetado por fastios. O nome pouco importa. Pode ser depressão tédio, banzo, morocoxô ou esvaziamento de ser. Penso com mil botões que o enfastiado é o avesso do entusiasmado, pois entusiasmado denota cheio de Deus.  A pessoa entusiasmada é aquela que planta sonhos e consegue ver sempre o lado luminoso da rua. O enfastiado antecipa desgraças e sofre com as antecipações. O céu para o entusiasmado é uma concha azul que acolhe e promete aconchego; para o enfastiado é o vazio sem fim onde até as estrelas temem permanecer. O fastio faz a morte chegar antes da hora combinada, se é que alguém combina o horário com a dita cuja. Conheço pessoas que de tão enfastiadas parece que já morreram. Perambulam a esmo sem riso nos lábios ou brilho no olhar. Choram só de pensar que existem! Insistem muito em chorar comprido, pois acham a existência comprida demais. Mas, essa doença pode pegar todo mundo. Em nossas vidas não existem estados puros. Num único dia podemos viver um misto de fastio e entusiasmo. É preciso tomar cuidado para não tomar gosto pelo fastio.

As pessoas enfastiadas nunca acham o que fazer e não veem sentido na própria ação. Esperam sentadas pela generosidade da morte e quando ela tarda demais alguns correm o risco de querer apressá-la. O tormento do enfastiado é ter que aturar a "comprideza" da vida, pois, essa é vista sempre num tom de cinza sem nenhum sobre-tom. O entusiasmado é múltiplo e a vida dele não é como um varal de uniformes cheia de momentos iguais. O dia se apresenta a ele com variado cardápio e o seu tempo é diverso. Gosto da palavra “di-verso”. Ela põe rima na poesia. A vida mesmo quando vista do avesso, pode ser diversa. Em sua página ou no verso ela pode ser cantada em verso e prosa. Prosear é tecer palavras para compor ideias e as ideias são ingredientes que fervem na cabeça da gente que nem feijão na panela. Palavras são ideias fervidas que saem da boca ou se grudam num papel, com pretensão de eternidade.  Foi isso que fiz agora e resultou nesse texto. Ele também foi um recurso para driblar o fastio, pois mente vazia, você já sabe, é oficina de quem mesmo?

Imagem de Rudy and Peter Skitterians por Pixabay