Velhice
Achava gozado quando meu pai era vivo e recebia algumas visitas em nossa casa. Nas tardes quentes de domingo quando a monotonia se apossava...

Hoje entendo muita coisa daquele tempo. Agora quem conta as
histórias envolvendo personagens de outras eras sou eu. Velhice é assim: A
memória remota é mais eficiente que a memória recente. Lembro-me, com clareza,
até dos tocos ou pedras de alguns caminhos por onde andei quando jovem. Mas, por favor, não me pergunte pela senha do “Wi-fi”
ou pelo Cep de minha rua! Hoje entendo porque meu pai falava tão bem de fatos antigos.
Sem querer acabo repetindo a mesma novela. Não sei por que, em certa altura da
vida a gente começa a gostar de falar do passado. Nossos discursos são tomados
por um incorrigível romantismo. O mundo de antigamente passa a ser visto como melhor
do que o mundo de hoje. Esquecemos que “no antigamente” também se lambiam
brasas...
Sempre que me vejo atacado de romantismo procuro tomar um
choque de realidade e perceber que em todos os tempos tivemos coisas boas e
coisas ruins. O passado valeu como experiência e o futuro vale enquanto
portador de esperança. Mas, o que conta mesmo é o presente e é nele que temos a
oportunidade de agir. O presente, no entanto, carrega o mistério da esfinge que
precisa ser decifrado. Quando não conseguimos isso podemos ser devorados por
ele. O presente está cheio de encantos e possibilidades, mas nem todo mundo
consegue perceber isso. Deus queira que você consiga!
Apesar de meu esforço em andar “antenado” com o presente
confesso que também sou de carne e osso, mais carne do que osso, na verdade.
Por isso, de vez em quando, tenho recaídas e acabo idealizando o passado. Como
explicar esse meu estranho gosto por Carlos Gardel, Nelson Gonçalves, Erivelton
Martins e tantos outros? Certa vez,
confessei ao meu sobrinho meu gosto pela música de Amália. Em seguida ele me
perguntou: Mas, isso não é macarrão tio?
Quase morri de susto diante do fosso que nos separava. Como também gosto
de massas acabei concordando com ele e me dei bem. Gosto muito de macarrão, eu
disse, e me silenciei para sempre. Pobre dama que cantou “Coimbra”, “Foi Deus”,
“Casa Portuguesa” e tantas outras músicas inesquecíveis! Em dois tempos, foi
reduzida à marca de macarrão.
Percebo que alguns dos meus “malungos” exageram, um pouco, no
esforço de "andarem antenados". Dizem que ainda “estão na pista”, fazem tatuagens
na lateral das pernas e prendem os cabelos no melhor estilo “rabo de cavalo”, isso
quando lhes sobra uma buchinha de cabelo no alto do cocuruto. Confesso, que inda
não atingi esse nível de perfeição! Observando
a tatuagem de uma amiga dessas “antenadas”
perguntei se o desenho era uma cabeça de elefante, quem sabe, poderia ser
Ganesha? Não! Ela retrucou com veemência:
É uma borboleta! O problema é que de tanta pelanca a borboleta saiu voando...
Mas, é claro que eu não disse nada disso. O que disse foi bem diferente: Nossa!
Que linda! Parece uma borboleta do Himalaia. Mais uma vez fui salvo pelo gongo,
pois ela não tinha a menor ideia do Himalaia e eu nem sei se as borboletas sobrevivem no gelo...
Foto: https://www.pexels.com/pt-br/foto/homem-com-tatuagem-de-inseto-no-pescoco-1414401/
O vídeo abaixo é só mais um ataque de romantismo:
Pós é Padre Gabriel. Eu também me deparo com situações semelhantes! E para não pagar mico, só observo!
ResponderExcluirMuito bem definido o que muitos de nós passamos! Parabéns pela coragem de tornar publico o que não temos coragem kkkkkk
ResponderExcluirAo ler este excelente texto, fiquei imaginando minha trajetória existencial. Minha memória também está buscando no passado as muitas lembranças consolidadas. Creio que ler, fazer palavras cruzadas, exercitar a memória ajuda muito na percepção da realidade atual. Na verdade, a velhice sempre será nossa sorte. E que sorte, viver pra contar nossa história!
ResponderExcluirParabéns! Amei o texto. Mas não tem como negar? me identifiquei com o tema. Rss
ResponderExcluirQueria envelhecer assim com sabedoria.É verdade , envelhecemos e nos saboreamos com o passado, lembranças e mais lembranças, nós faz feliz, e acredite nos mantém vivos.Cada parágrafo do seu texto 3 uma viagem.Obrigada por nos proporcionar tão deliciosa leitura.
ResponderExcluirKkkk. Eu ri tanto, que meu ficou desopilado , como faz bem ler as crônicas, textos, inspirações do Sr.
ResponderExcluirFigado*
ExcluirMe lembro muito é das perguntas sobre uiconhecidos que a muito não se via. E fulano tá bão? Eles tão bão. E ciclana? Há, tá sempre naquela gemurra, a mesma perrenguisse. Kkkk do Zé betio. Saudade demais
ResponderExcluirPadre, a palavra VELHICE é por si só um som que lembra chatice... não que não goste de pertencer a esse estágio da vida...fico feliz de ter conseguido vencer a todos!
ResponderExcluirFui obrigada a estar sempre antenada pra conseguir me comunicar melhor com meus alunos adolescentes. Não achei ruim...
Sabe bem que sou fã de suas crônicas.
Adorei Amália ter sido reduzida à marca de macarrão e a borboleta tatuada ser do Himalaia...o problema é que de tanta pelanca, a borboleta saiu voando...kkk
Que texto gostoso de ler! O tema é serio mas com humor, inclusive é comum pessoas com saudosismo crônico sempre dizendo: "No meu tempo", o tempo passado é sempre melhor que o presente.
ResponderExcluirAvalio o Senhor como uma pessoa do presente, do agora, e se olha para trás é como um retrovissor, apenas para não cometer acidentes.
Quanto a preferencia musical, eu parabenizo pelo gosto porque tá dificil ouvir a maioria das músicas que tem feito sucesso na atualidade.
Excelente texto Padre Gabriel. Também" desopilei meu fígado " na leitura de tanto rir.E é claro me identifiquei em várias passagens .
ResponderExcluirQue delícia de leitura!!
ResponderExcluirJá te falei, vc é uma biblioteca ambulante, sorte nossa!
Parabéns pelo texto, pelo escolha do tema. AMEI🌼