Em bom português africano
Hoje não quero engambelar o leitor nem ficar inzonando o tempo todo. Vou direto ao ponto, sem a mínima empombação. Na hora de escrever é s...

Hoje não quero engambelar o leitor nem ficar inzonando o tempo
todo. Vou direto ao ponto, sem a mínima empombação. Na hora de escrever é
sempre assim: capengando e zanzando com as palavras sem saber onde colocá-las no
papel... Elas, no entanto, estão todas aí, à nossa disposição, feito montes de
tijolos à espera do pedreiro. É um murundum de palavras que, literalmente, nos
dão uma tunda. No meio delas, fico borocoxô, mas, permaneço de butuca pegando
uma xepa na primeira ideia que me aparece para encaixar a palavra no lugar
certo.
Escrever é um imbondo que inventamos para dar corpo às nossas ideias e ajudar a passar a vida. Já perdi a conta de quantas vezes parei de escrever por causa de uma simples quitanda, e depois vi que as ideias correram todas de mim. Há dias em que a inspiração nos foge e é melhor esperar sentado, antes que nos doa a cacunda ou que nos deem calombo nos pés. Noutros dias, o texto chega pronto na cabeça da gente, deixando-nos, com cara de songamonga. Em dias assim, é fácil alinhar até binga com pinga, ou jeca com jacá.
Esses perrengues não acontecem apenas comigo. Ainda bem que
não estou sozinho nessa empreitada! Tenho um malungo, que, apesar de espandongado, é um exímio escritor. Sua
inspiração somente desaparece quando lhe chega a bruaca da vizinha, arengando
por qualquer barulho dos curumins. Não quero sabucar ninguém mas o xará não dá
moleza! É inhaca! Com ele não tem treta. Saçarica à vontade com as palavras no
texto. Nunca o vi amuxilado e nem xingando à toa. É um poço de virtude! Só não
revelo o seu nome porque ele é muito tímido. Acho que isso se deve a um
cocoruto que tem nas costas. Por causa dele, não consegue sungar nada do chão.
Fazer o quê, né? Não há nada perfeito
nesse mundo! O perfume pode virar catinga e a catinga pode virar perfume. Só
Deus! O que não podemos é misturar pua com cafua e achar que está tudo bem. Em
bom português eu digo, invertendo o ditado: Gosto e queixo cada um tem o seu...
Caso o leitor tenha paciência poderá conferir o significado
de algumas palavras. Foram tiradas no
Novo Dicionário Banto do Brasil, de Nei Lopes, Rio de Janeiro, Pallas, 2003. O
que veio em seguida está mesclado de brincadeiras com as palavras:
Engambelar: Enganar, iludir (O salário mínimo)
Inzonar: Demorar, enrolar, tardar (A Justiça
no Brasil)
Empombar: Zangar-se, irritar-se (Você na fila
do banco)
Capengar: Oscilar, cambalear (Você depois de
tomar todas)
Zanzar: Andar à toa (Mineiro em Guarapari,
esperando o dia de voltar)
Murundum: Montículo, monte (de onde até o
Cristo de Pará de Minas tampa os olhos)
Tunda: Surra, crítica severa (Lembra-se do
que sua mulher lhe fez naquele dia?)
Borocoxô: Sem coragem, mole (Você mesmo na
segunda-feira)
Butuca: Espera, espreita (Você na rodoviária
esperando a visita da sogra)
Xepa: Carona (Você no trevo que vai para
S. José da Varginha)
Embondo ou Imbondo: Faço questão de não explicar. Rima
com marimbondo, e pronto!
Quitanda: Comida (sonho de consumo dos gordos
e das gordas)
Cacunda: Todos sabem o significado mas, ninguém
admite que usa a palavra.
Calombo: Tumefação cutânea (Agora complicou
mais ainda! )
Songamonga: Alcunha usada por Nazaré Tedesco ao
dirigir-se à Claudia na antiga novela das oito.
Arenga: Confusão, briga, encrenca.
Jacá: Balaio de bambu
Curumim – Criança.
Pindaíba: A maioria de nós conhece, na pele, o
bendito significado dessa palavra.
Malungo: Colega da mesma idade (Mas, que
sempre alega ser mais novo)
Espandongado: Cabelos de sua esposa ao levantar-se
da cama pela manhã.
Bruaca: Bolsa de couro usada pelos tropeiros
( Eu não lhe disse que era uma mala?)
Sabucar: Bajular. Escovar (Papel higiênico à
moda antiga)
Inhaca: Título de soberano em algumas
línguas antigas de Angola (Pensou errado!)
Treta: Arte de quase todos os políticos.
Sua variante é “mu-treta”.
Sassaricar:
Saracotear (algo como vagabundar mesmo)
Amuxilado: Arrasado (Você que deu tanta pinta
e ela nem lhe viu)
Sungar: Suspender (Mas, “sunga” sem o r,
sunga pouca coisa mesmo)
Catinga: Aroma desagradável (Perfume que sai
da fossa)
Pua: Ferramenta de furar madeira (Mas,
fura o dedo também)
Cafua: Casinha gostosa de se morar (Apenas
quando se torna lembrança)
Imagem de Greg Montani por Pixabay
Somente os mais de idade como eu sabe esse vocabulário
ResponderExcluirJá usei quase todas essas palavras. Na minha região do Alto Paranaíba existiram muitos quilombos e a tradição cultural vêm caminhando ao longo do tempo. Ler e escutar essas palavras me fazem recordar muitas coisas boas da vida!
ResponderExcluirBacana!Me fez lembrar de minha mãe utilizando muitas destas palavras, para diversas situações!!!
ResponderExcluirEsse Padre Geraldo, meu xará e conterrâneo, é mesmo um imbondeiro. Belo texto.
ResponderExcluirMuito legal, às vezes ainda uso algumas destas palavras poucas pessoas entendem,fazer o quê? Amei, me diverti bastante com a leitura.Obrigado padre.
ResponderExcluirLegal! escritor com talento, tem uma brincadeira com as palavras que vai jogando nas construções de frases, pelo simples prazer acredito, de tornar seu tempo um ócio produtivo. Assim surgem os textos com suas emoções, este foi para mim um exemplo, já que sem nenhuma pretensão de alguma reflexão, ficou interessante.
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado a todos, pelas leituras, comentários e incentivo...
ResponderExcluirMuito interessante esta brincadeira com as palavras !!! E o texto vai fluindo.... Mas, é só para os talentosos igual ao senhor.
ResponderExcluirAlgumas palavras são minhas conhecidas.
Quem nasceu na zona rural, como eu, conhece bem esse vocabulário, voltar as fontes, faz bem a nossa memória.
ResponderExcluirAchei muito prazeroso ler este texto, que delícia do jogo de palavras, digno de ser estudado nas escolas para mostrar a diversidade do nosso vocabulário que muitas vezes para alguns entender melhor este linguajar.Fabuloso!!! Parabéns Padre Gabriel!!!
ResponderExcluirMaravilha! Perfeito texto!
ResponderExcluirObrigada, esse texto me encheu de curiosidade kkkk
ResponderExcluirO senhor é um gênio. Poder aplicar esses dialetos em cada lugar, num texto tão compreensível......olha.... fiquei cada vez mais seu fã!. Parabéns é pouco!
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